Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

António Gedeão - Lição sobre a água

Como se numa aula de Química estivesse, o poeta descreve, nas duas primeiras estrofes do poema, as características e as aplicações mais corriqueiras da água – H2O –, o líquido que, segundo os mais renomados historiadores e analistas do panorama político internacional, há de ser o próximo motivo para a ocorrência de conflitos bélicos nas próximas décadas ou centúrias.

Cumpre informar que Gedeão, além de poeta, foi professor de físico-química e divulgador da ciência, o que explica a divisa temática associada aos versos – em combinação ao fecho mais propriamente literário da derradeira estrofe: reporta-se o autor, ali, à poética morte de Ofélia, noiva de Hamlet, na obra de mesmo nome, de autoria de William Shakespeare (1564-1616), objeto do discurso de Gertrude, na Cena VII da peça.

J.A.R. – H.C.

 

António Gedeão

(1906-1997)

 

Lição sobre a água

 

Este líquido é água.

Quando pura

é inodora, insípida e incolor.

Reduzida a vapor,

sob tensão e a alta temperatura,

move os êmbolos das máquinas que, por isso,

se denominam máquinas de vapor.

 

É um bom dissolvente.

Embora com excepções mas de um modo geral,

dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.

Congela a zero graus centesimais

e ferve a 100, quando à pressão normal.

 

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,

sob um luar gomoso e branco de camélia,

apareceu a boiar o cadáver de Ofélia

com um nenúfar na mão.

 

Canal em Amsterdã

(Claude Monet: pintor francês)


Referência:

GEDEÃO, António. Lição sobre a água. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1289.

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