Como se numa aula de Química estivesse, o poeta descreve, nas duas primeiras estrofes do poema, as características e as aplicações mais corriqueiras da água – H2O –, o líquido que, segundo os mais renomados historiadores e analistas do panorama político internacional, há de ser o próximo motivo para a ocorrência de conflitos bélicos nas próximas décadas ou centúrias.
Cumpre informar que Gedeão, além de poeta, foi professor de físico-química e divulgador da ciência, o que explica a divisa temática associada aos versos – em combinação ao fecho mais propriamente literário da derradeira estrofe: reporta-se o autor, ali, à poética morte de Ofélia, noiva de Hamlet, na obra de mesmo nome, de autoria de William Shakespeare (1564-1616), objeto do discurso de Gertrude, na Cena VII da peça.
J.A.R. – H.C.
António Gedeão
(1906-1997)
Lição sobre a água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Canal em Amsterdã
(Claude Monet: pintor francês)
Referência:
GEDEÃO, António. Lição sobre a água. In:
REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas
portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI.
Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1289.
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