O poeta irlandês divaga sobre o que se mostra inescrutável no ser amado, como reserva que jamais poderá ser desvelada, porque inacessível no plano da alteridade – e não só pelos pensamentos que vêm à tona, como reflexos identitários da totalidade do ser, mas também na qualidade de revérberos conscientes ou inconscientes suscitados por cada contingente momento, a exemplo da presumida relação erótica experimentada pelo casal.
Daí essa sensação de estranheza, por vezes completa, em relação às pessoas que nos são íntimas ou próximas, a causar-nos perplexidade: amar é vogar num nebuloso oceano, nem sempre convictos de que aportaremos no desejado local de destino, embora atribuindo fé aos “instrumentos de navegação”, para que o batel não se desgarre à deriva!
J.A.R. – H.C.
Michael O’Siadhail
(n. 1947)
Between
As we fall into step I ask a penny for your
thoughts.
‘Oh, nothing’, you say, ‘well, nothing so easily
bought’.
Sliding into the rhythm of your silence, I almost
forget
how lonely I’d been until that autumn morning we
met.
At bedtime up along my childhood’s stairway,
tongues
of fire cast shadows. Too earnest, too highstrung.
My desire is endless: others ended when I’d only
started.
Then, there was you: so whole-hog, so wholehearted.
Think of the thousands of nights and the shadows
fought.
And the mornings of light. I try to read your
thought.
In the strange openness of your face, I’m
powerless.
Always this love. Always this infinity between us.
A família
(Egon Schiele: pintor austríaco)
Entre
À medida que avançamos, peço-te um centavo por
teus pensamentos.
“Oh, nada”, dizes, “até porque coisa alguma se
compra
assim tão facilmente”.
Resvalando ao ritmo do teu silêncio, quase me
esqueço
do quanto me sentia só, até aquela manhã de outono
em que nos conhecemos.
À hora de dormir, ao longo da escada de minha
infância,
línguas
de fogo projetam sombras. Lancinante demais, excitável
demais.
Infinito é o meu desejo: outros já chegaram a termo,
enquanto eu mal começara.
E então, lá estavas tu: toda por inteiro, de todo o
coração.
Pensas nas milhares de noites e nas porfiadas sombras.
E nas manhãs de luz. Tento ler teu pensamento.
Na estranha franqueza de teu rosto, sou impotente.
Sempre este amor. Sempre esta infinitude entre nós.
Referência:
O’SIADHAIL, Micheal. Between. In:
ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive: real poems for unreal times. 1st. ed.
New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 290.
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