Com uma sintaxe em volutas, de negações geminadas e enigmas sentenciosos, a transitar por uma cena de solstício de inverno naninha, cruciante e melancólica, há neste poema de Williams algum desconforto ou incredulidade do falante quanto ao poder de a natureza se renovar, de uma forma ou de outra, para melhor, ou – seria mais cômodo deixar o ponto às claras – de o homem tornar-se menos insensato.
Trata-se de assombrosa meditação, assente em paisagem visionária, senão fantasmagórica, assim como que a profetizar trevas pósteras, mesmo diante do sustentáculo proporcionado pelas artes e pelas ciências. A propósito, o cenário sombrio que se difunde pelos versos desvela o crepitar de um fogo “obscuro”, acirrado pelo gênero humano, à vista de conflitos bélicos ratificadores do estado de “estupidez” em que este se demora.
J.A.R. – H.C.
William Carlos Williams
(1883-1963)
These
are the desolate, dark weeks
when nature in its barrenness
equals the stupidity of man.
The year plunges into night
and the heart plunges
lower than night
to an empty, windswept place
without sun, stars or moon
but a peculiar light as of thought
that spins a dark fire –
whirling upon itself until,
in the cold, it kindles
to make a man aware of nothing
that he knows, not loneliness
itself – Not a ghost but
would be embraced – emptiness,
despair – (They
whine and whistle) among
the flashes and booms of war;
houses of whose rooms
the cold is greater than can be thought,
the people gone that we loved,
the beds lying empty, the couches
damp, the chairs unused –
Hide it away somewhere
out of the mind, let it get roots
and grow, unrelated to jealous
ears and eyes – for itself.
In this mine they come to dig – all.
Is this the counterfoil to sweetest
music? The source of poetry that
seeing the clock stopped, says,
The clock has stopped
that ticked yesterday so well?
and hears the sound of lakewater
splashing – that is now stone.
Pedregulhos à margem de um lago
(Alexandre Calame: pintor suíço)
Estas
são as semanas sombrias, desoladas
em que na sua aridez a natureza
iguala a estupidez do homem.
O ano submerso faz-se noite
e o coração submerge
mais fundo do que a noite
num sítio vácuo, varrido pelo vento
sem sol, sem lua nem estrelas,
só uma estranha luz como de pensamento
que incita um fogo obscuro –
a girar sobre si mesma até,
na frialdade, incendiar-se
para tornar um homem cônscio
de nada que saiba, não a própria
solitude – Não um fantasma mas
seria abraçado – vacuidade,
desespero – (Eles
silvam e soluçam) entre
os clarões e estrondos da guerra;
casas em cujos aposentos
o frio é maior do que se possa pensar,
partidas as pessoas a quem amávamos,
os leitos vazios, as poltronas
úmidas, as cadeiras sem uso –
Trata de a esconder nalgum lugar
longe da lembrança, onde enraíze
e cresça, a salvo dos ouvidos
zelosos e dos olhos – por si mesma.
Esta mina vêm eles escavá-la – todos.
Será isto a contraparte da música
mais suave? A fonte de poesia que
vendo o relógio parado, diz,
Parou o relógio que
ontem tiquetaqueava tão bem?
e ouve o som de água do lago
esparrinhando – pedras agora.
Referência:
WILLIAMS, William Carlos. These / Estas.
Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e
estudo crítico de José Paulo Paes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 1987. Em inglês: p. 138 e 140; em português: p. 139 e 141.
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