Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

William Carlos Williams - Estas

Com uma sintaxe em volutas, de negações geminadas e enigmas sentenciosos, a transitar por uma cena de solstício de inverno naninha, cruciante e melancólica, há neste poema de Williams algum desconforto ou incredulidade do falante quanto ao poder de a natureza se renovar, de uma forma ou de outra, para melhor, ou – seria mais cômodo deixar o ponto às claras – de o homem tornar-se menos insensato.

Trata-se de assombrosa meditação, assente em paisagem visionária, senão fantasmagórica, assim como que a profetizar trevas pósteras, mesmo diante do sustentáculo proporcionado pelas artes e pelas ciências. A propósito, o cenário sombrio que se difunde pelos versos desvela o crepitar de um fogo “obscuro”, acirrado pelo gênero humano, à vista de conflitos bélicos ratificadores do estado de “estupidez” em que este se demora.

J.A.R. – H.C.

 

William Carlos Williams

(1883-1963)

 

These

 

are the desolate, dark weeks

when nature in its barrenness

equals the stupidity of man.

 

The year plunges into night

and the heart plunges

lower than night

 

to an empty, windswept place

without sun, stars or moon

but a peculiar light as of thought

 

that spins a dark fire –

whirling upon itself until,

in the cold, it kindles

 

to make a man aware of nothing

that he knows, not loneliness

itself – Not a ghost but

 

would be embraced – emptiness,

despair – (They

whine and whistle) among

 

the flashes and booms of war;

houses of whose rooms

the cold is greater than can be thought,

 

the people gone that we loved,

the beds lying empty, the couches

damp, the chairs unused –

 

Hide it away somewhere

out of the mind, let it get roots

and grow, unrelated to jealous

 

ears and eyes – for itself.

In this mine they come to dig – all.

Is this the counterfoil to sweetest

 

music? The source of poetry that

seeing the clock stopped, says,

The clock has stopped

 

that ticked yesterday so well?

and hears the sound of lakewater

splashing – that is now stone.

 

Pedregulhos à margem de um lago

(Alexandre Calame: pintor suíço)

 

Estas

 

são as semanas sombrias, desoladas

em que na sua aridez a natureza

iguala a estupidez do homem.

 

O ano submerso faz-se noite

e o coração submerge

mais fundo do que a noite

 

num sítio vácuo, varrido pelo vento

sem sol, sem lua nem estrelas,

só uma estranha luz como de pensamento

 

que incita um fogo obscuro –

a girar sobre si mesma até,

na frialdade, incendiar-se

 

para tornar um homem cônscio

de nada que saiba, não a própria

solitude – Não um fantasma mas

 

seria abraçado – vacuidade,

desespero – (Eles

silvam e soluçam) entre

 

os clarões e estrondos da guerra;

casas em cujos aposentos

o frio é maior do que se possa pensar,

 

partidas as pessoas a quem amávamos,

os leitos vazios, as poltronas

úmidas, as cadeiras sem uso –

 

Trata de a esconder nalgum lugar

longe da lembrança, onde enraíze

e cresça, a salvo dos ouvidos

 

zelosos e dos olhos – por si mesma.

Esta mina vêm eles escavá-la – todos.

Será isto a contraparte da música

 

mais suave? A fonte de poesia que

vendo o relógio parado, diz,

Parou o relógio que

 

ontem tiquetaqueava tão bem?

e ouve o som de água do lago

esparrinhando – pedras agora.


Referência:

WILLIAMS, William Carlos. These / Estas. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e estudo crítico de José Paulo Paes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 138 e 140; em português: p. 139 e 141.

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