Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Armando Côrtes-Rodrigues - Passo triste no mundo, alheio ao mundo

Há laivos da poesia de Fernando Pessoa, ou até mesmo de Sá-Carneiro, neste poema de Côrtes-Rodrigues, ademais pejado de certa mística religiosa: um estado de desalento e dispersão perante a vida, uma aspiração a se anular o próprio ser, para então convergir, em identidade, a um “Outro-Ser”, que se presume seja Deus.

A rigor, os versos do poeta dão-nos a impressão de desconforto com o estágio representado pela vida presente, experimentada num estado de nostalgia extática em relação à região não precisamente especificada de onde veio, e de contemplação aspirante a uma paragem redentora e consubstanciadora da unidade no Eterno.

J.A.R. – H.C.

 

Armando Côrtes-Rodrigues

(1891-1971)

 

Passo triste no mundo, alheio ao mundo

 

Passo triste no mundo, alheio ao mundo.

Passo no mundo alheio, sem o ver,

E místico, ideal e vagabundo,

Sinto erguer-se minh’Alma do profundo

Abismo do seu Ser.

 

Vivo de Mim, em Mim, e para Mim,

E para Deus em Mim ressuscitado,

Sou Saudade do Longe donde vim,

E sou Ânsia do Longe, em que por fim

Serei transfigurado.

 

Vivo de Deus, em Deus, e para Deus,

E minh’alma, sonâmbula, esquecida,

Nele fitando os tristes olhos seus,

Passa triste e sozinha, olhando os céus,

No caminho da Vida.

 

Fui Outro, e, Outro sendo, Outro serei;

Outro vivendo a mística beleza,

Por esta humana forma que encarnei,

Por lágrimas de sangue que chorei

Na terra da tristeza.

 

Espírito na Dor purificado,

Ser que passa no mundo, sem o ver,

Em esta pobre terra de pecado,

Amor divino em Deus extasiado,

O meu Ser é Não-Ser em Outro-Ser.

 

Luz Divina

(Patricia K. Bollinger: pintora norte-americana)


Referência:

CÔRTES-RODRIGUES, Armando. Passo triste no mundo, alheio ao mundo. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1190.

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