Borges tenta apreender a simbólica do mar, essa força da natureza que
sempre “estava e era”, díade que encerra o seu estado e essência já em priscas eras. E para conhecê-lo – e desse modo conhecer-se a si mesmo –
faz-se necessário que o dia da agonia se torne passado, o que indica um ponto
futuro além de outro que já se tornou pretérito, embora ambos no futuro do
presente, num composto temporal fluído, do qual o movimento do mar é um de seus
mais notórios arquétipos.
E contemplar o mar – portentosa exteriorização líquida do reino das formas – é
sempre vê-lo pela primeira vez, mesmo já o tendo visto em outras tantas
oportunidades. Isso porque, segundo Borges, o mar precede o momento mesmo em
que a humanidade teceu, em sonhos, as suas mitologias e cosmogonias.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
El Mar
Antes que el sueño (o
el terror) tejiera
mitologías y
cosmogonías,
antes que el tiempo
se acuñara en días,
el mar, el siempre
mar, ya estaba y era.
¿Quién es el mar? ¿Quién es aquel
violento
y antiguo ser que roe
los pilares
de la tierra y es uno
y muchos mares
y abismo y resplandor
y azar y viento?
Quien lo mira lo ve
por vez primera,
siempre. Con el
asombro que las cosas
elementales dejan,
las hermosas
tardes, la luna, el
fuego de una hoguera.
¿Quién es el mar,
quién soy? Lo sabré el día
ulterior que sucede a
la agonia.
En: “El otro, el mismo” (1964)
A Onda
(Gustave Courbert:
pintor francês)
O Mar
Antes que o sonho (ou
o terror) tecesse
mitologias e
cosmogonias,
antes que o tempo se
cunhasse em dias,
o mar, o sempre mar,
já estava e era.
Quem é o mar? Quem é o
violento
e antigo ser que corrói
os pilares
da Terra e é um mar e
muitos outros
e abismo e resplendor
e acaso e vento?
Quem o olha o vê pela
primeira
vez, sempre. Com o
assombro que as coisas
elementares deixam,
as formosas
tardes, a lua, o fogo,
uma fogueira.
Quem é o mar, quem
sou? Só saberei
no dia seguinte da
agonia.
Em: “O outro, o mesmo” (1964)
Referência:
BORGES, Jorge Luis. El mar / O mar.
Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova
antologia pessoal. 1 ed. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e
Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p.
290; em português: p. 26.
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