Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Jorge Luis Borges - O Mar ‎

Borges tenta apreender a simbólica do mar, essa força da natureza que sempre “estava e era”, díade que encerra o seu estado e essência já em priscas eras. E para conhecê-lo – e desse modo conhecer-se a si mesmo – faz-se necessário que o dia da agonia se torne passado, o que indica um ponto futuro além de outro que já se tornou pretérito, embora ambos no futuro do presente, num composto temporal fluído, do qual o movimento do mar é um de seus mais notórios arquétipos.

E contemplar o mar – portentosa exteriorização líquida do reino das formas – é sempre vê-lo pela primeira vez, mesmo já o tendo visto em outras tantas oportunidades. Isso porque, segundo Borges, o mar precede o momento mesmo em que a humanidade teceu, em sonhos, as suas mitologias e cosmogonias.

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

El Mar

Antes que el sueño (o el terror) tejiera
mitologías y cosmogonías,
antes que el tiempo se acuñara en días,
el mar, el siempre mar, ya estaba y era.
¿Quién es el mar? ¿Quién es aquel violento
y antiguo ser que roe los pilares
de la tierra y es uno y muchos mares
y abismo y resplandor y azar y viento?
Quien lo mira lo ve por vez primera,
siempre. Con el asombro que las cosas
elementales dejan, las hermosas
tardes, la luna, el fuego de una hoguera.
¿Quién es el mar, quién soy? Lo sabré el día
ulterior que sucede a la agonia.

En: “El otro, el mismo” (1964)

A Onda
(Gustave Courbert: pintor francês)

O Mar

Antes que o sonho (ou o terror) tecesse
mitologias e cosmogonias,
antes que o tempo se cunhasse em dias,
o mar, o sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é o violento
e antigo ser que corrói os pilares
da Terra e é um mar e muitos outros
e abismo e resplendor e acaso e vento?
Quem o olha o vê pela primeira
vez, sempre. Com o assombro que as coisas
elementares deixam, as formosas
tardes, a lua, o fogo, uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Só saberei
no dia seguinte da agonia.

Em: “O outro, o mesmo” (1964)

Referência:

BORGES, Jorge Luis. El mar / O mar. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia pessoal. 1 ed. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 290; em português: p. 26.

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