Eis um belo soneto do poeta e tradutor carioca, focado no tema da
transitoriedade da experiência humana sobre a terra, ontem vivenciada com intensidade
por reis, príncipes, bispos e donzelas, hoje todos recolhidos a monturos de
ossos, inertes e expostos ao cáustico sol.
Sem acentuar qualquer tom capaz de aproximar demais o poema aos lamentos
eclesiásticos, o poeta, contudo, não se abstém de sublinhar a supremacia desmanteladora
do tempo, a fazer tábua rasa de eventuais propósitos de eternidade: mesmo a
palavra grafada deixa de reverberar com o avançar dos anos, tudo se reduzindo irreversivelmente
ao pó primordial.
J.A.R. – H.C.
Ivan Junqueira
(1934-2014)
Esse punhado de ossos
A Moacyr Félix
Esse punhado de ossos
que, na areia,
alveja e estala à luz
do sol a pino
moveu-se outrora,
esguio e bailarino,
como se move o sangue
numa veia.
Moveu-se em vão,
talvez, porque o destino
lhe foi hostil e,
astuto, em sua teia
bebeu-lhe o vinho e
devorou-lhe à ceia
o que havia de raro e
de mais fino.
Foram damas tais
ossos, foram reis,
e príncipes e bispos
e donzelas,
mas de todos a morte
apenas fez
a tábua rasa do asco
e das mazelas.
E ali, na areia
anônima, eles moram.
Ninguém os escuta. Os
ossos não choram.
Titã Abatido
(Jinho Bae: artista
sul-coreano)
Referência:
JUNQUEIRA, Ivan. Esse punhado de ossos.
In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do
século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 317.
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