Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 28 de janeiro de 2018

Ivan Junqueira - Esse punhado de ossos

Eis um belo soneto do poeta e tradutor carioca, focado no tema da transitoriedade da experiência humana sobre a terra, ontem vivenciada com intensidade por reis, príncipes, bispos e donzelas, hoje todos recolhidos a monturos de ossos, inertes e expostos ao cáustico sol.

Sem acentuar qualquer tom capaz de aproximar demais o poema aos lamentos eclesiásticos, o poeta, contudo, não se abstém de sublinhar a supremacia desmanteladora do tempo, a fazer tábua rasa de eventuais propósitos de eternidade: mesmo a palavra grafada deixa de reverberar com o avançar dos anos, tudo se reduzindo irreversivelmente ao pó primordial.

J.A.R. – H.C.

Ivan Junqueira
(1934-2014)

Esse punhado de ossos

A Moacyr Félix

Esse punhado de ossos que, na areia,
alveja e estala à luz do sol a pino
moveu-se outrora, esguio e bailarino,
como se move o sangue numa veia.
Moveu-se em vão, talvez, porque o destino
lhe foi hostil e, astuto, em sua teia
bebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceia
o que havia de raro e de mais fino.
Foram damas tais ossos, foram reis,
e príncipes e bispos e donzelas,
mas de todos a morte apenas fez
a tábua rasa do asco e das mazelas.
E ali, na areia anônima, eles moram.
Ninguém os escuta. Os ossos não choram.

Titã Abatido
(Jinho Bae: artista sul-coreano)

Referência:

JUNQUEIRA, Ivan. Esse punhado de ossos. In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 317.

Nenhum comentário:

Postar um comentário