O poeta, somente com o passamento de seu bichano – atropelado na rua em
frente à sua casa –, assimilou a visão de que a vida vale muito mais do que a
secular sabedoria dos homens que se põem a legislar sobre o agir de seus pares,
isso porque o espírito vital tem precedência sobre todos os seres a quem serve
de princípio gerador.
E mais: a dizimar não apenas os gatos, mas também os próprios homens,
anda por aí um rol pernóstico de algozes, a quem se poderia replicar a máxima
cristã: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em
tirar o argueiro do olho do teu irmão”. (Mateus 7:5)
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
Interiorano
Chorei a primeira vez
quando meu gato
morreu
atropelado na rua
fronteira
à minha casa.
Foi a primeira vez
que chorei
com liberdade – não
infringindo hábitos
sociais.
Chorei porque meu
gato
morreu e compreendi,
naquele instante sem
futuro,
que qualquer ser vivo
valia
mais do que a
sabedoria
dos homens que
legislam
sobre a vida.
Hoje, sinto-me
solitário
na vastidão do
planeta!
Parece-me que os
gatos
desapareceram, ou foram
adotados
por homens, que se
converteram
em seus algozes
e, mais
frequentemente,
em nossos algozes.
Em: “O Relincho do Cavalo Adormecido”
O Gato Morto
(Theodore Gericault:
pintor francês)
Referência:
TREVISAN, Armindo. Interiorano. In:
__________. Adega imaginária & O
relincho do cavalo adormecido. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. p.
174.
ö
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