Este belo poema, integrante da série “Felicidade” da obra em referência,
foge do padrão parnasiano com o qual flertou Leoni no início dos seus trabalhos
no domínio da poesia, sobretudo pela forma que apresenta, com versos livres e
temática bem mais comum em criações simbolistas, como as de Cruz e Sousa.
O poeta carioca se concentra em demarcar a “presença” de histórias e
pessoas que já partiram, no ambiente de velhas casas que contempla, a
configurar uma vida fantástica e invisível aos olhos, embora presumida pelos
sentidos.
J.A.R. – H.C.
Raul de Leoni
(1895-1926)
Superstição
As almas, como as
flores, no lugar
Em que viveram
deixam, longamente,
Sua íntima essência
errando no ar,
Numa vaga fluidez
reminiscente...
Vede essas velhas
casas que, a passar
Pelos olhos do tempo
indiferente,
Foram o sereníssimo
ambiente
De uma longa história
familiar!...
Há no seu gênio
obscuro, misteriosas
Influências humanas,
insensíveis
Contágios de alma que
não percebemos,
Frias fatalidades
traiçoeiras
Adormecidas no
silêncio antigo...
Exalam do segredo das
entranhas
Forças sutis e
sugestões estranhas
Que nos descem ao
fundo dos sentidos
E se vão infiltrando,
lentamente,
Na alma dos
visitantes distraídos...
Ao lhes transpormos
as sombrias portas,
Nunca sabemos o que
nos espera
Nesses tristes
jardins de sombras mortas
Fantasmas de uma
antiga primavera...
Dentro tudo morreu...
mas, presa a um fio
Intangível,
Uma vida fantástica,
invisível
Vive em essência no
ar sonâmbulo e vazio...
As almas, como
flores, no lugar
Em que viveram
deixam, longamente,
A sua exalação
errando no ar,
Numa vaga fluidez
reminiscente...
Quintais de Velhas Casas em Antuérpia
Sob a Neve
(Vincent van Gogh: pintor holandês)
Referência:
LEONI, Raul de. Superstição. In: __________.
Luz mediterrânea. 9. ed. São Paulo,
SP: Livraria Martins Editora, 1959. p. 92-93.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário