Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Michael Dransfield - Retrato do artista quando velho

O poeta modifica à velhice aquilo que no título da obra de James Joyce é juventude. Mas tanto, apenas por vislumbrar o desamparo de uma mansão rural exposta ao quase abandono, às proximidades de Moreton Bay, em sua Austrália natal, vale dizer, a própria casa paterna.

Tudo parece transcorrer com naturalidade para Dransfield, nessas tranquilas e remotas paragens, mas que nem por isso deixam-no livre de fantasmas, pois, afinal, memórias, frustrações, ressentimentos e pesares associados a tal lugar ainda povoam a sua mente.

J.A.R. – H.C.

Michael Dransfield
(1948-1973)

Portrait of the artist as an old man

In my father’s house are many cobwebs.
I prefer not to live there − the ghosts
disturb me. I sleep in a loft
over the coach-house, and each morning cross
through a rearguard of hedges to wander in the house.
It looks as though it grew out of the ground
among its oaks and pines, under the great
ark of Moreton Bay figs.
My study is the largest room upstairs;
there, on wet days, I write
archaic poems at a cedar table.
Only portraits and spiders inhabit the hall
of Courland Penders... however,
I check the place each day for new arrivals.
Once, in the summerhouse, I found a pair
of diamond sparrows nesting on a sofa
among warped racquets and abandoned things.
Nobody visits Courland Penders; the town
is miles downriver, and few know me there.
Once there were houses nearby. They are gone
wherever houses go when they
fall down or burn down or are taken away on lorries.
It is peaceful enough. Birdsong flutes from the trees
seeking me among memories and clocks.
When night or winter comes, I light a fire
and watch the flames
rise and fall like waves. I regret nothing.

Moreton Bay
(Greg Allen: artista australiano)

Retrato do artista quando velho

Na casa de meu pai há muitas teias de aranha.
Prefiro não viver lá – os fantasmas
me perturbam. Durmo em um sótão
sobre a cocheira, e a cada manhã transponho
uma cobertura traseira para vaguear pela casa.
É como se ela houvesse se erguido do solo
entre os seus carvalhos e pinheiros, sob o grande
arco de figueiras de Moreton Bay (*).
Meu estúdio é o quarto maior do piso superior;
ali, nos dias chuvosos, escrevo
poemas arcaicos em uma mesa de cedro.
Somente retratos e aranhas habitam a sala
de Courland Penders... no entanto,
examino o lugar a cada dia em busca de
novas chegadas.
Certa vez, no caramanchão, encontrei um par
de pardais diamante aninhando em um sofá
entre raquetes retorcidas e coisas abandonadas.
Ninguém visita Courland Penders; o povoado
está a milhas rio abaixo, e poucos ali me conhecem.
Antes havia casas nas proximidades. Têm-se ido
para onde quer se vão as casas quando
desabam ou queimam ou são levadas adiante
por caminhões.
É bastante tranquilo. O canto dos pássaros
irrompe das árvores
procurando-me entre recordações e relógios.
Quando a noite ou o inverno vem, acendo fogo
e observo as chamas
subirem e descerem como ondas. Nada tenho do
que me lamentar.

Nota:

Moreton Bay - Baía localizada na costa leste da Austrália a quatorze quilômetros do centro de Brisbane, Queensland.

Referência:

DRANSFIELD, Michael. Portrait of the artist as an old man. In: PAGE, Geoff (Ed.). 60 classic australian poems. 1st published. Sydney, AU: University of New South Wales Press Ltd., 2009. p. 282-283.

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