O poeta modifica à velhice aquilo que no título da obra de James Joyce é
juventude. Mas tanto, apenas por vislumbrar o desamparo de uma mansão rural
exposta ao quase abandono, às proximidades de Moreton Bay, em sua Austrália
natal, vale dizer, a própria casa paterna.
Tudo parece transcorrer com naturalidade para Dransfield, nessas
tranquilas e remotas paragens, mas que nem por isso deixam-no livre de
fantasmas, pois, afinal, memórias, frustrações, ressentimentos e pesares
associados a tal lugar ainda povoam a sua mente.
J.A.R. – H.C.
Michael Dransfield
(1948-1973)
Portrait of the
artist as an old man
In my father’s house are many cobwebs.
I prefer not to live there − the ghosts
disturb me. I sleep in a loft
over the coach-house, and each morning cross
through a rearguard of hedges to wander in the
house.
It looks as though it grew out of the ground
among its oaks and pines, under the great
ark of Moreton Bay figs.
My study is the largest room upstairs;
there, on wet days, I write
archaic poems at a cedar table.
Only portraits and spiders inhabit the hall
of Courland Penders... however,
I check the place each day for new arrivals.
Once, in the summerhouse, I found a pair
of diamond sparrows nesting on a sofa
among warped racquets and abandoned things.
Nobody visits Courland Penders; the town
is miles downriver, and few know me there.
Once there were houses nearby. They are gone
wherever houses go when they
fall down or burn down or are taken away on
lorries.
It is peaceful enough. Birdsong flutes from the
trees
seeking me among memories and clocks.
When night or winter comes, I light a fire
and watch the flames
rise and fall like waves. I regret nothing.
Moreton Bay
(Greg Allen: artista
australiano)
Retrato do artista quando velho
Na casa de meu pai há
muitas teias de aranha.
Prefiro não viver lá
– os fantasmas
me perturbam. Durmo
em um sótão
sobre a cocheira, e a
cada manhã transponho
uma cobertura
traseira para vaguear pela casa.
É como se ela
houvesse se erguido do solo
entre os seus
carvalhos e pinheiros, sob o grande
arco de figueiras de
Moreton Bay (*).
Meu estúdio é o
quarto maior do piso superior;
ali, nos dias
chuvosos, escrevo
poemas arcaicos em
uma mesa de cedro.
Somente retratos e
aranhas habitam a sala
de Courland
Penders... no entanto,
examino o lugar a
cada dia em busca de
novas chegadas.
Certa vez, no
caramanchão, encontrei um par
de pardais diamante
aninhando em um sofá
entre raquetes
retorcidas e coisas abandonadas.
Ninguém visita
Courland Penders; o povoado
está a milhas rio
abaixo, e poucos ali me conhecem.
Antes havia casas nas
proximidades. Têm-se ido
para onde quer se vão
as casas quando
desabam ou queimam ou
são levadas adiante
por caminhões.
É bastante tranquilo.
O canto dos pássaros
irrompe das árvores
procurando-me entre recordações
e relógios.
Quando a noite ou o
inverno vem, acendo fogo
e observo as chamas
subirem e descerem
como ondas. Nada tenho do
que me lamentar.
Nota:
Moreton Bay - Baía localizada na costa
leste da Austrália a quatorze quilômetros do centro de Brisbane, Queensland.
Referência:
DRANSFIELD, Michael. Portrait of the artist as an old man. In: PAGE,
Geoff (Ed.). 60 classic australian poems.
1st published. Sydney, AU: University of New South Wales Press Ltd., 2009. p.
282-283.
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