Mia Couto, autor moçambicano, rejeita a forma como os humanos vislumbram
a figura de Deus: um Eterno que fica a vigiar os vivos, para ter ciência do que
andam a fazer, e pedir contas aos já falecidos, pelos atos aqui praticados.
O poeta, de fato, postula por um Deus amigável, com a intimidade para se
relacionar em segunda pessoa, sem maiores formalidades: julga ele que, sendo
isso possível, a figura divina nem necessitasse de existir.
J.A.R. – H.C.
Mia Couto
(n. 1955)
Falta de reza
Por insuficiência de
reza,
por falsidade de
crença
meu anjo me culpou
e vaticinou eterna
penitência.
Mas não ajoelho
nem peço desculpa.
Não quero um deus
que vigie os vivos
e peça contas aos
mortos.
Um deus amigo
que me chame por tu
e que espere por mim
para um copo de riso
e abraços:
esse é o deus que eu
quero ter.
Um deus
que nem precise de
existir.
Menina orando à porta para a Madona
(Ferdinand Georg Waldmüller: pintor austríaco)
Referência:
COUTO, Mia. Falta de reza. In:
__________. Poemas escolhidos.
Seleção do autor. Apresentação de José Castello. 1. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2016. p. 171.
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