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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Vinícius de Moraes - O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Um outro poema-elegia, da pena do poetinha, desta vez dedicado ao vate norte-americano Hart Crane, ele que já algumas vezes esteve presente neste bloguinho (pesquisar pelo seu nome no campo “Pesquisa Neste Blog”, na coluna à esquerda).

A Poesia, assim com a letra maiúscula, uma dama companheira do poeta, ter-lhe-á dito muito em seu instante de desespero, embora ao outro poeta – e a todos nós leitores –, tais reflexões se tenham tornado inacessíveis, no máximo conjecturais, submersas para sempre nas insondáveis águas do mar.

J.A.R. – H.C.

Vinícius de Moraes
(1913-1980)

O poeta Hart Crane suicida-se no mar
(MORAES, 1979, p. 93-95)

Quando mergulhaste na água
Não sentiste como é fria
Como é fria assim na noite
Como é fria, como é fria?
E ao teu medo que por certo
Te acordou da nostalgia
(Essa incrível nostalgia
Dos que vivem no deserto...)
Que te disse a Poesia?

Que te disse a Poesia
Quando Vênus que luzia
No céu tão perto (tão longe
Da tua melancolia...)
Brilhou na tua agonia
De moribundo desperto?

Que te disse a Poesia
Sobre o líquido deserto
Ante o mar boquiaberto
Incerto se te engolia
Ou ao navio a rumo certo
Que na noite se escondia?

Temeste a morte, poeta?
Temeste a escarpa sombria
Que sob a tua agonia
Descia sem rumo certo?
Como sentiste o deserto
O deserto absoluto
O oceano absoluto
Imenso, sozinho, aberto?

Que te falou o Universo
O infinito a descoberto?
Que te disse o amor incerto
Das ondas na ventania?
Que frouxos de zombaria
Não ouviste, ainda desperto
Às estrelas que por certo
Cochichavam luz macia?

Sentiste angústia, poeta
Ou um espasmo de alegria
Ao sentires que bulia
Um peixe nadando perto?
A tua carne não fremia
À ideia da dança inerte
Que teu corpo dançaria
No pélago submerso?

Dançaste muito, poeta
Entre os véus da água sombria
Coberto pela redoma
Da grande noite vazia?
Que coisas viste, poeta?

De que segredos soubeste
Suspenso na crista agreste
Do imenso abismo sem meta?

Dançaste muito, poeta?
Que te disse a Poesia?

Rio de Janeiro, 1953.

Hart Crane
(1899-1932)

Hart Crane (Ohio - 1899; Golfo do México - 1933) foi poeta. Suicidou-se saltando do navio que o levava a Nova Iorque. Admirava T. S. Elliot, inspirando-se nele em sua busca de uma linguagem capaz de traduzir a vitalidade, as ambiguidade e perplexidades do mundo moderno. Sua obra mais conhecida é o poema épico “The Bridge” (A Ponte), iniciado em 1923 e publicado em 1930. Segundo Crane, o poema era uma “síntese mística da América” (Suma extraída deste endereço).

Referência:

MORAES, Vinícius de. O operário em construção e outros poemas. 3. ed. Seleção e prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1979. (Coleção ‘Poesias’)

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