Um outro poema-elegia, da pena do poetinha, desta vez dedicado ao vate
norte-americano Hart Crane, ele que já algumas vezes esteve presente neste
bloguinho (pesquisar pelo seu nome no campo “Pesquisa Neste Blog”, na coluna à
esquerda).
A Poesia, assim com a letra maiúscula, uma dama companheira do poeta,
ter-lhe-á dito muito em seu instante de desespero, embora ao outro poeta – e a
todos nós leitores –, tais reflexões se tenham tornado inacessíveis, no máximo
conjecturais, submersas para sempre nas insondáveis águas do mar.
J.A.R. – H.C.
Vinícius de Moraes
(1913-1980)
O poeta Hart Crane suicida-se no mar
(MORAES, 1979, p.
93-95)
Quando mergulhaste na
água
Não sentiste como é
fria
Como é fria assim na
noite
Como é fria, como é
fria?
E ao teu medo que por
certo
Te acordou da
nostalgia
(Essa incrível
nostalgia
Dos que vivem no
deserto...)
Que te disse a
Poesia?
Que te disse a Poesia
Quando Vênus que
luzia
No céu tão perto (tão
longe
Da tua melancolia...)
Brilhou na tua agonia
De moribundo
desperto?
Que te disse a Poesia
Sobre o líquido
deserto
Ante o mar
boquiaberto
Incerto se te engolia
Ou ao navio a rumo
certo
Que na noite se
escondia?
Temeste a morte,
poeta?
Temeste a escarpa
sombria
Que sob a tua agonia
Descia sem rumo
certo?
Como sentiste o
deserto
O deserto absoluto
O oceano absoluto
Imenso, sozinho,
aberto?
Que te falou o
Universo
O infinito a
descoberto?
Que te disse o amor
incerto
Das ondas na
ventania?
Que frouxos de
zombaria
Não ouviste, ainda
desperto
Às estrelas que por
certo
Cochichavam luz
macia?
Sentiste angústia,
poeta
Ou um espasmo de
alegria
Ao sentires que bulia
Um peixe nadando
perto?
A tua carne não
fremia
À ideia da dança
inerte
Que teu corpo
dançaria
No pélago submerso?
Dançaste muito, poeta
Entre os véus da água
sombria
Coberto pela redoma
Da grande noite
vazia?
Que coisas viste,
poeta?
De que segredos
soubeste
Suspenso na crista
agreste
Do imenso abismo sem
meta?
Dançaste muito,
poeta?
Que te disse a
Poesia?
Rio de Janeiro, 1953.
Hart Crane
(1899-1932)
Hart Crane (Ohio - 1899; Golfo do México - 1933) foi poeta. Suicidou-se
saltando do navio que o levava a Nova Iorque. Admirava T. S. Elliot,
inspirando-se nele em sua busca de uma linguagem capaz de traduzir a vitalidade,
as ambiguidade e perplexidades do mundo moderno. Sua obra mais conhecida é o
poema épico “The Bridge” (A Ponte), iniciado em 1923 e publicado em 1930.
Segundo Crane, o poema era uma “síntese mística da América” (Suma extraída deste
endereço).
Referência:
MORAES, Vinícius de. O operário em construção e outros poemas.
3. ed. Seleção e prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, RJ:
Nova Fronteira, 1979. (Coleção ‘Poesias’)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário