A parodiar conhecidas passagens bíblicas, o excerto do poema abaixo, do
poeta paraense Paes Loureiro, retrata o estado de agruras imposto às terras
amazônicas pelo grande capital, que apenas ali se encontra para extrair-lhes as
riquezas – como minério e o potencial das águas –, restituindo-lhes muito pouco
em troca.
E, claro, não se esquece Loureiro das lutas sangrentas pela posse da
terra, em especial na região sudeste do Estado do Pará, onde grileiros e
posseiros já deram motivos para manchetes deploráveis estampadas na mídia
nacional.
J.A.R. – H.C.
João de Jesus Paes Loureiro
(n. 1939)
Os rostos da Amazônia ou deslenda rural
(LOUREIRO, 1985, p.
92-93)
III
Senhor,
por que me
abandonaste,
aos que me crucificam
em minha terra
em meu salário
em minha fome...
Senhor,
por que me
abandonaste,
aos que lançaram
dólares
em minha terra
em meu salário
em minha fome...
Senhor,
por que me
abandonaste,
aos que me amortalham
em minha terra
em meu salário
em minha fome.
Tomai e comei
este é meu corpo
redividido em lucro e
latifúndio.
Tomai e bebei
este é meu sangue
redividido em ouros e
minérios.
Comei e bebei
este é meu povo
redividido em braço e
mais-valia.
Amazônia! Amazônia!
Quem te ama?
Nas quebradas do
silêncio
− capoeira, mato
adentro, terras do sem fim –
uma cunha violada
cava a cava,
enterra o Uirapuru
baleado por grileiros
que com posseiros
disputaram a terra,
e ouve uma canção de
consumo em videotape...
Em: “Deslendário”
Amazônia
(Cristiane Campos:
pintora paulista)
Referência:
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cantares amazônicos. 1. ed. São Paulo,
SP: Roswitha Kempf Editores, 1985.
❁
Excelente! O fragmento da poesia consegue aliar crítica, sensibilidade e denuncia. O Pf. João de Jesus Paes Loureiro, além de ser um grande intelectual ao dominar outras áreas do campo das humanidades, tem na simplicidade, para mim, o seu maior predicado. Um nome à altura das nossas lutas e encantos pela Amazônia
ResponderExcluirPrezado(a),
ExcluirFaço coro às suas palavras: trata-se de uma figura de renome nas letras e na cultura paraense e, por extensão, da Amazônia.
Muito grato pelo comentário.
Um abraço,
J. A. Rodrigues