Um belo poema de Bishop, a assinalar como os animais revelam suas dúvidas
sobre os prenúncios da alvorada. E já avançada a hora, reconhecem o surgimento
de uma nova manhã, pela leveza como abordam os sinais inequívocos da natureza.
Somente a poetisa demonstra algum mal-estar com o que se passou no dia
anterior, a pressionar-lhe o ânimo, de modo a dificultar-lhe o levantar-se da
cama: um trânsito difícil do ontem para o hoje!
J.A.R. – H.C.
Elizabeth Bishop
(1911-1979)
Five Flights Up
Still dark.
The unknown bird sits
on his usual branch.
The little dog next door barks in his sleep
inquiringly, just once.
Perhaps in his sleep, too, the bird inquires
once or twice, quavering.
Questions – if that is what they are –
answered directly, simply,
by day itself.
Enormous morning, ponderous, meticulous;
gray light streaking each bare branch,
each single twig, along one side,
making another tree, of glassy veins...
The bird still sits there. Now he seems to yawn.
The little black dog runs in his yard.
His owner’s voice arises, stern,
“You ought to be ashamed!”
What has he done?
He bounces cheerfully up and down;
he rushes in circles in the fallen leaves.
Obviously, he has no sense of shame.
He and the bird know everything is answered,
all taken care of,
no need to ask again.
– Yesterday brought to today so lightly!
(A yesterday I find almost impossible to lift.)
In: “Geography III” (1976)
Jovem com Pássaro e Cão
(John Singleton Copley: pintor norte-americano)
Cinco Andares Acima
Escuro ainda.
O pássaro
desconhecido está em seu galho de sempre.
O cachorrinho do
vizinho late dormindo
em tom de pergunta,
uma vez só.
Talvez dormindo,
também, o pássaro indaga
uma ou duas vezes,
com um vibrato.
Perguntas – se é isso
o que são –
respondidas de modo
simples, direto,
pelo próprio dia.
Manhã enorme,
ponderosa, meticulosa;
luz cinza riscando
cada galho nu,
cada ramo fino, ao
longo de um lado,
criando uma árvore
outra, de veios vítreos...
O pássaro continua
lá. Agora parece bocejar.
O cachorrinho preto
corre em seu quintal.
A voz do dono se
eleva, severa:
“Você não tem
vergonha?”
O que foi que ele
fez?
Ele saltita alegre
pra cima e pra baixo;
corre em círculos
sobre as folhas caídas.
Claro está que ele
não tem vergonha alguma.
Ele e o pássaro sabem
que tudo foi respondido,
tudo resolvido,
não é preciso
perguntar de novo.
– Ontem se fez hoje
com tal leveza!
(Um ontem pra mim
quase impossível de levantar.)
Em: “Geografia III” (1976)
Referência:
BISHOP, Elizabeth. Five flights up / Cinco andares acima. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop.
Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição
bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 368;
em português: 369.
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