Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Elizabeth Bishop - Cinco Andares Acima

Um belo poema de Bishop, a assinalar como os animais revelam suas dúvidas sobre os prenúncios da alvorada. E já avançada a hora, reconhecem o surgimento de uma nova manhã, pela leveza como abordam os sinais inequívocos da natureza.

Somente a poetisa demonstra algum mal-estar com o que se passou no dia anterior, a pressionar-lhe o ânimo, de modo a dificultar-lhe o levantar-se da cama: um trânsito difícil do ontem para o hoje!

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

Five Flights Up

Still dark.
The unknown bird sits on his usual branch.
The little dog next door barks in his sleep
inquiringly, just once.
Perhaps in his sleep, too, the bird inquires
once or twice, quavering.
Questions – if that is what they are –
answered directly, simply,
by day itself.

Enormous morning, ponderous, meticulous;
gray light streaking each bare branch,
each single twig, along one side,
making another tree, of glassy veins...
The bird still sits there. Now he seems to yawn.

The little black dog runs in his yard.
His owner’s voice arises, stern,
“You ought to be ashamed!”
What has he done?
He bounces cheerfully up and down;
he rushes in circles in the fallen leaves.

Obviously, he has no sense of shame.
He and the bird know everything is answered,
all taken care of,
no need to ask again.
– Yesterday brought to today so lightly!
(A yesterday I find almost impossible to lift.)

In: “Geography III” (1976)

Jovem com Pássaro e Cão
(John Singleton Copley: pintor norte-americano)

Cinco Andares Acima

Escuro ainda.
O pássaro desconhecido está em seu galho de sempre.
O cachorrinho do vizinho late dormindo
em tom de pergunta, uma vez só.
Talvez dormindo, também, o pássaro indaga
uma ou duas vezes, com um vibrato.
Perguntas – se é isso o que são –
respondidas de modo simples, direto,
pelo próprio dia.

Manhã enorme, ponderosa, meticulosa;
luz cinza riscando cada galho nu,
cada ramo fino, ao longo de um lado,
criando uma árvore outra, de veios vítreos...
O pássaro continua lá. Agora parece bocejar.

O cachorrinho preto corre em seu quintal.
A voz do dono se eleva, severa:
“Você não tem vergonha?”
O que foi que ele fez?
Ele saltita alegre pra cima e pra baixo;
corre em círculos sobre as folhas caídas.

Claro está que ele não tem vergonha alguma.
Ele e o pássaro sabem que tudo foi respondido,
tudo resolvido,
não é preciso perguntar de novo.
– Ontem se fez hoje com tal leveza!
(Um ontem pra mim quase impossível de levantar.)

Em: “Geografia III” (1976)

Referência:

BISHOP, Elizabeth. Five flights up / Cinco andares acima. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 368; em português: 369.

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