Como já tantas postadas neste bloguinho, temos aqui mais uma poesia a
tratar da própria poesia, ou melhor, metapoesia a dedicar-se à sua forma de
expressão e à permanência no espaço literário quotidiano.
Nota-se cerca influência do poeta João Cabral de Melo Neto no poema do
carioca Murilo: voluntária ou casual, o fato é que a ideia de que a poesia se
assemelha a uma flor nascente em instâncias decompostas também aparece no poema
“Antiode” do
pernambucano, sugerindo a ocorrência de um certo grau de referência cruzada entre
tais composições.
J.A.R. – H.C.
Cláudio Murilo Leal
(n. 1937)
Poética
Poesia, como
sobrevives
Ao ódio das bombas?
E pulsas ainda, fria,
No refúgio das
sombras?
Poesia, quem te
reconhece
Perene fruto? Ácido
O sumo, impenetrável
A polpa de ferro ou
aço.
Uma flor fétida
Nasce nos mangues
– Homem – perdido
Entre o pus e o
sangue.
A poesia não sutura
Seu coração aberto.
Nem indica (entre
cruzes)
O rumo certo.
Poesia, negra falua,
Arrasta sobre nós
Teus podres remos.
E deixa-nos sós.
Carpa e Flor de Lótus
(Guilherme Maximini:
pintor brasileiro)
Referência:
MURILO, Cláudio. Poética. In: FÉLIX, Moacyr (Dir.). Poesia Viva I. Introdução de Antônio
Houaiss. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1968. p. 167-168. (Coleção
‘Poesia Hoje’, Direção Moacyr Félix, v. 18, Série ‘Novos Poetas do Brasil’)
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