Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Roberto Fernández Retamar - Felizes os Normais

Num poema, de certa forma, a parodiar o bíblico “Sermão da Montanha”, o poeta cubano faz a apologia da normalidade, para, pouco depois, pedir passagem aos que, efetivamente, “fazem os mundos e os sonhos”.

 

Ilusões, sinfonias e palavras que desbaratinam são a substância a nos construir – e para os loucos e bêbados que as veiculam, sempre haverá, segundo o autor, um lugar mais do que reservado no... inferno.

 

J.A.R. – H.C.

 

Roberto Fernández Retamar

(n. 1930)

 

Apresentação do Escritor

(LEMUS, 1994, p. 223)

 

Com Elegía como un himno (1950), ele se apresenta à poesia cubana. Em 1952 edita Patrias e em 1955 Alabanzas, conversaciones. Reconhecido como um ensaísta de talento, esteve sempre entre os mais importantes criadores de sua geração. Vuelta a la antigua esperanza (1959) é um livro do coloquialismo, corrente que se expressa com mais intensidade em Con las mismas manos (1962), Historia antigua (1964), Que veremos arder (1970), Circunstancia de poesía (1977), Juana y otros poemas personales (1981), Hacia la Nueva (1988) dentre outros. Agrupou quase todos seus poemas em Poesía reunida (1966) e no livro mais destacado Palabra de mi pueblo (1980). Em 1989 lhe foi entregue o Prêmio Nacional de Literatura.

 

Felices los Normales

 

Felices los normales, esos seres extraños.

Los que no tuvieron una madre loca, un padre borracho, un hijo

delincuente,

Una casa en ninguna parte, una enfermedad desconocida,

Los que no han sido clacinados por un amor devorante,

Los que vivieron los diecisiete rostros de la sonrisa y un poco más.

Los llenos de zapatos, los arcángeles con sombreros,

Los satisfechos, los gordos, los lindos,

Los rintintin y sus secuaces, los que cómo no, por aquí,

Los que ganan, los que son queridos hasta la empuñadura,

Los flautistas acompañados por ratones,

Los vendedores y sus compradores,

Los caballeros ligeramente sobrehumanos,

Los hombres vestidos de truenos y las mujeres de relámpagos,

Los delicados, los sensatos, los finos,

Los ambles, los dulces, los comestibles y los bebestibles.

Felices las aves, el estiércol, las piedras.

 

Pero que den paso a los que hacen los mundos y los sueños,

Las ilusiones, las sinfonías, las palabras que nos desbaratan

Y nos construyen, los más locos que sus madres, los más borrachos

Que sus padres y más delincuentes que sus hijos

Y más devorados por amores calcinantes.

Que les dejen su sitio en el infierno, y basta.

 

En: “Historia antigua” (1962)

 

A Loucura de Hugo van der Goes

(Emile Wauters: pintor belga)

 

Felizes os Normais

 

Felizes os normais, esses seres estranhos.

Os que não tiveram uma mãe louca, um pai bêbado, um filho

delinquente,

Uma casa em nenhuma parte, uma doença desconhecida,

Os que não foram calcinados por um amor devorante,

Os que viveram os dezessete rostos do sorriso e um pouco mais.

Os cheios de sapatos, os arcanjos com chapéus,

Os satisfeitos, os gordos, os lindos,

Os rintintin e seus asseclas, os que como não, por aqui,

Os que ganham, os que são queridos até a empunhadura,

Os flautistas acompanhados por ratos,

Os vendedores e seus compradores,

Os cavalheiros levemente sobre-humanos

Os homens vestidos de trovões e as mulheres de relâmpagos,

Os delicados, os sensatos, os finos,

Os amáveis, os doces, os comestíveis e os bebestíveis,

Felizes as aves, o esterco, as pedras.

 

Mas que deem passagem aos que fazem os mundos e os

sonhos,

As ilusões, as sinfonias, as palavras que nos desbaratinam

E nos constroem, os mais loucos que suas mães, os mais

bêbados

Que seus pais e mais delinquentes que seus filhos

E mais devorados por amores calcinantes.

Que lhes deixem seu lugar no inferno, e basta.

 

Em: “História antiga” (1962)

 

Referência:

 

RETAMAR, Roberto Fernández. Felices los normales / Felizes os normais. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio e notas).  Vinte poetas cubanos do século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994. Em espanhol: p. 226; em português: p. 227.

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