Num poema, de certa forma, a parodiar o bíblico
“Sermão da Montanha”, o poeta cubano faz a apologia da normalidade, para, pouco
depois, pedir passagem aos que, efetivamente, “fazem os mundos e os sonhos”.
Ilusões, sinfonias e palavras que desbaratinam são
a substância a nos construir – e para os loucos e bêbados que as veiculam,
sempre haverá, segundo o autor, um lugar mais do que reservado no... inferno.
J.A.R. – H.C.
Roberto Fernández Retamar
(n. 1930)
Apresentação do Escritor
(LEMUS, 1994, p. 223)
Com Elegía como un himno (1950), ele se
apresenta à poesia cubana. Em 1952 edita Patrias
e em 1955 Alabanzas, conversaciones.
Reconhecido como um ensaísta de talento, esteve sempre entre os mais
importantes criadores de sua geração. Vuelta
a la antigua esperanza (1959) é um livro do coloquialismo, corrente que se
expressa com mais intensidade em Con las
mismas manos (1962), Historia antigua
(1964), Que veremos arder (1970), Circunstancia de poesía (1977), Juana y otros poemas personales (1981), Hacia la Nueva (1988) dentre outros.
Agrupou quase todos seus poemas em Poesía
reunida (1966) e no livro mais destacado Palabra de mi pueblo (1980). Em 1989 lhe foi entregue o Prêmio
Nacional de Literatura.
Felices los Normales
Felices los normales,
esos seres extraños.
Los que no tuvieron
una madre loca, un padre borracho, un hijo
delincuente,
Una casa en ninguna
parte, una enfermedad desconocida,
Los que no han sido
clacinados por un amor devorante,
Los que vivieron los
diecisiete rostros de la sonrisa y un poco más.
Los llenos de
zapatos, los arcángeles con sombreros,
Los satisfechos, los
gordos, los lindos,
Los rintintin y sus
secuaces, los que cómo no, por aquí,
Los que ganan, los
que son queridos hasta la empuñadura,
Los flautistas acompañados
por ratones,
Los vendedores y sus
compradores,
Los caballeros
ligeramente sobrehumanos,
Los hombres vestidos
de truenos y las mujeres de relámpagos,
Los delicados, los
sensatos, los finos,
Los ambles, los
dulces, los comestibles y los bebestibles.
Felices las aves, el
estiércol, las piedras.
Pero que den paso a
los que hacen los mundos y los sueños,
Las ilusiones, las
sinfonías, las palabras que nos desbaratan
Y nos construyen, los
más locos que sus madres, los más borrachos
Que sus padres y más
delincuentes que sus hijos
Y más devorados por
amores calcinantes.
Que les dejen su
sitio en el infierno, y basta.
En: “Historia antigua” (1962)
A Loucura de Hugo van der Goes
(Emile Wauters:
pintor belga)
Felizes os Normais
Felizes os normais,
esses seres estranhos.
Os que não tiveram
uma mãe louca, um pai bêbado, um filho
delinquente,
Uma casa em nenhuma
parte, uma doença desconhecida,
Os que não foram
calcinados por um amor devorante,
Os que viveram os
dezessete rostos do sorriso e um pouco mais.
Os cheios de sapatos,
os arcanjos com chapéus,
Os satisfeitos, os
gordos, os lindos,
Os rintintin e seus
asseclas, os que como não, por aqui,
Os que ganham, os que
são queridos até a empunhadura,
Os flautistas
acompanhados por ratos,
Os vendedores e seus
compradores,
Os cavalheiros
levemente sobre-humanos
Os homens vestidos de
trovões e as mulheres de relâmpagos,
Os delicados, os
sensatos, os finos,
Os amáveis, os doces,
os comestíveis e os bebestíveis,
Felizes as aves, o
esterco, as pedras.
Mas que deem passagem
aos que fazem os mundos e os
sonhos,
As ilusões, as
sinfonias, as palavras que nos desbaratinam
E nos constroem, os
mais loucos que suas mães, os mais
bêbados
Que seus pais e mais
delinquentes que seus filhos
E mais devorados por
amores calcinantes.
Que lhes deixem seu
lugar no inferno, e basta.
Em: “História antiga” (1962)
Referência:
RETAMAR, Roberto
Fernández. Felices los normales / Felizes os normais. Tradução de Ali Garcia
Diniz e Luizete Guimarães Barros. In: LEMUS, Virgilio López (Seleção, prefácio
e notas). Vinte poetas cubanos do século XX. Edição bilíngue. Tradução de Ali
Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros. Florianópolis (SC): Ed. da UFSC, 1994.
Em espanhol: p. 226; em português: p. 227.
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