O poeta prospecta as formas mais puras de expressar em palavras,
sentenças, orações, tudo aquilo que no espírito lhe aflora de súbito. E o que
lhe vem de modo assim tão luminoso é a vertente ideal pela qual deve trilhar
todo aquele que se dispõe a criar, seja qual for a variante de criação.
Ante todas as injustiças deste mundo, há de se tutelar o que for
verdadeiro, ainda que, pelo momento, tal verdade esteja toldada pelo ludíbrio
dos que lograram elevar mais alto a chama torpe do mal.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
Ideário para a criação
Quando, em ti
próprio, ouvires algum combate
do sonho em luta com
a sua própria alma
e o mundo te parecer
maior que a vida
e a vida te parecer a
velha estrada
onde só tu não
perseguiste o sonho,
defende, de ambos, o
que for vencido.
Quando à tua beira,
houver um perseguido
e o escárnio se
abater sobre o que ele pensa
e o mundo inteiro o
perseguir mentindo
uma mentira maior que
a dessa ideia,
defende-a como tua
antes que o mundo
esmague em si próprio
a chama em que se ateia.
Quando, como hoje, os
crimes forem tantos
que as praias sequem
no desdém das ondas,
e o melhor homem for
um criminoso
voltando ansioso ao
local do crime,
e o sangue nem lhe
suje a ansiedade
porque não há mais
sangue que ciências loucas,
grita aos ventos da
morte que os traíram –
e na terra se ouça
que a verdade é falsa
e só eram verdade os
que partiram.
Em: “Coroa da Terra” (1946)
A Criação de um Poeta
(Taha H. Malasi:
artista sudanês)
Referência:
SENA, Jorge de. Ideário da criação. In:
__________. Versos e alguma prosa de
Jorge de Sena. Prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa, PT:
Arcádia e Moraes, 1979. p. 30.
❁
Jorge de Sena - Poeta de um só rosto e de uma só fé / ele tudo pode ser mas poeta fingido não é ! Frassino Machado
ResponderExcluirPrezado Frassino: Visitei o seu endereço (http://www.frassinomachado.net/) e apreciei imensamente a organização, as matérias publicadas e, em especial, é claro, os poemas, ou melhor, os seus poemas. Agradeço pelo comentário em forma de dístico rimado: Jorge de Sena, por conseguinte, não pertence ao círculo dos poetas pessoanos. Melhor assim, a poesia enquanto consectária das experiências de fato vividas por seus autores. Um grande abraço. João A. Rodrigues
ResponderExcluir