Mesmo que muito do que imaginamos, sonhamos acordados, não se materialize,
pouco importa, é dessa matéria que a vida humana também se constitui. Pode
parecer a cada um que a própria vida efetivamente usufruída encontra limites
amparados pela insatisfação de não se ter ido mais longe...
No letárgico dia a dia, faz-se necessário reinventar-se, por
conseguinte, de modo a fazer girar a máquina do mundo, de cuja voragem se
poderá apreender o ‘animus vivendi’, hábil para impelir à frente as raias que nos
cerceiam e, eventualmente, nos infelicitam.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas
campinas
e passeia a mão
dourada
pelas águas, pelas
folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas
piscinas
de ilusionismo... –
mais nada.
Mas a vida, a vida, a
vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem,
retira
as algemas dos meus
braços.
Projeto-me por
espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite
escura.
Não te encontro, não
te alcanço...
Só – no tempo
equilibrada,
desprendo-me do
balanço
que além do tempo me
leva.
Só – na treva,
fico: recebida e
dada.
Porque a vida, a
vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
De: “Vaga Música”
Transformação - Fantasia Abstrata
(Marina Petro:
pintora norte-americana)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Reinvenção. In:
__________. Cecília de bolso: uma
antologia poética. Organização e apresentação de Fabrício Carpinejar. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 56. (L&PM Pocket; v. 700)
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