Pouco importa se parte do poema de hoje já se tenha reproduzido à
exaustão na internet. O fato é que se trata de um belíssimo poema, com aquela fibra
resistente para a afirmação das ideias, de um autor tantas e indevidas vezes equivocadamente
nomeado.
Com efeito, foi o próprio poeta que redigiu a seção “O Autor e sua Obra”
do livro mencionado no campo de referência. E logo tratou de solucionar o terrível
equívoco acerca da real autoria do poema em epígrafe:
“Para concluir, não
posso deixar de agradecer a Maiakóvski, graças a quem um trecho do meu poema
“No caminho, com Maiakóvski” se tornou conhecido em todo o Brasil. Quando
Roberto Freire publicou ‘Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu’, colocou o
trecho do poema como epígrafe, atribuindo-o ao autor russo, que, na verdade,
era apenas personagem. A partir de então, o poema passou a ser citado e se
transformou numa das bandeiras contra a ditadura. Há pouco tempo, um jornalista
de Brasília transcreveu o trecho na íntegra e, com a maior cara de pau, colocou
seu próprio nome como tradutor. É demais! Portanto, meu nome é Eduardo Alves da
Costa; mas podem me chamar de Vladímir Maiakóvski” (COSTA, 1987, p. 203).
J.A.R. – H.C.
Eduardo Alves da Costa
(n. 1936)
No caminho, com Maiakóvski
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de
ti, Maiakóvski.
Não importa o que me
possa acontecer
por andar ombro a
ombro
com um poeta
soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter
coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do
que eu
a velha história.
Na primeira noite
eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já
não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em
nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso
medo,
arranca-nos a voz da
garganta.
E já não podemos
dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a
cerviz;
e nós, que não temos pacto
algum
com os senhores do
mundo,
por temor nos
calamos.
No silêncio de meu
quarto
a ousadia me afogueia
as faces
e eu fantasio um
levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de
germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança
dizer mãe
e a propaganda lhe
destrói a consciência.
A mim, quase me
arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que
aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no
balcão.
Mas eu sei,
porque não estou
amedrontado
a ponto de cegar, que
ela tem uma espada
a lhe espetar as
costelas
e o riso que nos
mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os
arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao
nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da
colheita
lá estão
e acabam por nos
roubar
até o último grão de
trigo.
Dizem-nos que de nós
emana o poder
mas sempre o temos
contra nós.
Dizem-nos que é
preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos
contra a opressão
é sobre nós que
marcham os soldados.
E por temor eu me
calo,
por temor aceito a
condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra
liberdade,
procurando, num
sorriso,
esconder minha dor
diante de meus
superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um
milhão de vozes,
o coração grita –
MENTIRA!
Em: “O tocador de atabaque” - Livro II
O Revolucionário
(Armando Mariño:
pintor cubano)
Referência:
COSTA, Eduardo Alves da. No caminho,
com Maiakóvski. In: __________. No caminho, com Maiakóvski. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1988. p. 40-42
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