Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Eduardo Alves da Costa - No caminho, com Maiakóvski

Pouco importa se parte do poema de hoje já se tenha reproduzido à exaustão na internet. O fato é que se trata de um belíssimo poema, com aquela fibra resistente para a afirmação das ideias, de um autor tantas e indevidas vezes equivocadamente nomeado.

Com efeito, foi o próprio poeta que redigiu a seção “O Autor e sua Obra” do livro mencionado no campo de referência. E logo tratou de solucionar o terrível equívoco acerca da real autoria do poema em epígrafe:

“Para concluir, não posso deixar de agradecer a Maiakóvski, graças a quem um trecho do meu poema “No caminho, com Maiakóvski” se tornou conhecido em todo o Brasil. Quando Roberto Freire publicou ‘Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu’, colocou o trecho do poema como epígrafe, atribuindo-o ao autor russo, que, na verdade, era apenas personagem. A partir de então, o poema passou a ser citado e se transformou numa das bandeiras contra a ditadura. Há pouco tempo, um jornalista de Brasília transcreveu o trecho na íntegra e, com a maior cara de pau, colocou seu próprio nome como tradutor. É demais! Portanto, meu nome é Eduardo Alves da Costa; mas podem me chamar de Vladímir Maiakóvski” (COSTA, 1987, p. 203).

J.A.R. – H.C.

Eduardo Alves da Costa
(n. 1936)

No caminho, com Maiakóvski

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!

Em: “O tocador de atabaque” - Livro II

O Revolucionário
(Armando Mariño: pintor cubano)

Referência:

COSTA, Eduardo Alves da. No caminho, com Maiakóvski. In: __________. No caminho, com Maiakóvski. 1. ed. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1988. p. 40-42

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