Vamos a uma trégua, depois de alguns dias “baixando” o nível ao sul do
patamar mínimo: eis aqui um lídimo poema erótico, com todos os elementos
característicos de uma epifania verbal, a preencher o espaço temporal entre
dois momentos de prazeres sensuais.
O lápis substitui o pênis nesse fluxo contínuo de átimos, que é a própria
experiência humana. O prazer do texto se interpõe entre dois flagrantes de deleite
e volúpia erótica. Para o prazer dos amantes – e para o agrado dos leitores!
J.A.R. – H.C.
Affonso Romano de Sant’Anna
(n. 1937)
Intervalo Amoroso
O que fazer entre um
orgasmo e outro,
quando se abre um
intervalo
sem teu corpo?
Onde estou, quando
não estou
no teu gozo incluído?
Sou todo exílio?
Que imperfeita forma
de ser é essa
quando de ti sou
apartado?
Que neutra forma toco
quando não toco teus
seios, coxas
e não recolho o sopro
da vida de tua boca?
O que fazer entre um
poema e outro
olhando a cama, a
folha fria?
É como se entre um
dia e outro
houvesse o vago-dia,
cinza,
vida igual a morte,
amortecida.
O poema, avulso gesto
de amor,
é vão recobrimento de
espaços.
O poema é dúbia forma
de enlace,
substitui o pênis
pelo lápis
–
e é lapso.
Referência:
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Intervalo
amoroso. In: __________. Intervalo
amoroso & Outros poemas escolhidos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.
p. 16. (Coleção Pocket L± v. 153)
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