Voltemos a um tema velho conhecido: os gatos. Regressemos a um autor
consabidamente amante dos gatos: Charles Bukowski. E aproveitemos um poema
traduzido de sua coletânea recentemente traduzida ao português, “As pessoas
parecem flores finalmente” (“The people look like flowers at last”).
Como sempre, os poemas de Bukowski são desvestidos de um tratamento mais
próximo ao dos cânones literários convencionais. São como confabulações do
autor com os seus leitores, para os quais o poeta dirige comentários nada
tradicionais, tais como o do próprio título do poema em epígrafe.
Note-se que suas palavras traçam um inconfundível paralelo entre a
caçada noturna do bichano por sexo, com a sua própria vida mundana, a correr
atrás de mulheres e bebidas. Felino e poeta se compreendem e se merecem mutuamente!
J.A.R. – H.C.
Charles Bukowski
(1920-1994)
looking at the
cat’s balls
sitting here by the window
sweating beer sweat
mauled by the summer
I am looking at the cat’s balls.
it’s not my choice.
he sleeps in an old rocker
on the porch
and from there he looks at me
hung to his cat’s balls.
there’s his tail, damned thing,
hanging out of the
way so I can
view his furry storage tanks but
what can a man think about
while looking at a cat’s nuts?
certainly not about the sunken navy after a
great sea battle.
certainly not about a program to save the
poor.
certainly not about a flower market or a dozen
eggs.
certainly not about a broken light switch.
balls iz balls, that’s all,
and most certainly that’s true about
a cat’s balls.
my own are rather soft and mushy and
I’m told by my current lady
quite large:
“you’ve got big balls, Chinaski!”
but the cat’s balls:
I can’t figure whether he’s hung to them
or whether they’re hung to him.
you see, there is this almost nightly battle for
the female
and it doesn’t come easy for either of us.
look:
a piece is missing from his left ear.
once I thought one of his eyes had been
clawed out
but when the dried
blood peeled away
a week later
there was his pure
gold-green eye
looking at me.
his entire body is scarred from bites
and the other day,
attempting to pet his head
he yowled and almost bit me −
the skin on his skull
had been split to reveal the bone.
it certainly doesn’t come easy for any of us,
poor fellow.
he sleeps
now dreaming
what?
a fat mockingbird in his mouth?
or surrounded by female cats in heat?
he dreams his daydreams
and we’ll find out
tonight.
good luck, old fellow,
it doesn’t come easy,
hung to our balls we are, that’s it,
we’re captive to our balls,
and I should use a little restraint myself
when it comes to the ladies.
meanwhile I will
watch their eyes and lead with the left jab
and run like hell
when it just isn’t any use
anymore.
olhando os colhões do gato
sentado aqui junto à
janela
suando suor de
cerveja
atormentado pelo
verão
estou olhando para os
colhões do meu gato.
não é por minha
escolha.
ele dorme em uma
velha cadeira de balanço
na varanda
e dali ele me olha
dependurado em seus
colhões de gato.
aí está seu rabo,
coisa danada,
dependurada de lado
de modo que eu possa
ver seus felpudos
reservatórios mas
em que pode um homem
pensar
enquanto olha para as
bolas de um gato?
certamente não sobre
a nave naufragada após uma
grande batalha naval.
certamente não sobre
um programa para salvar os
pobres.
certamente não sobre
um mercado de flores ou uma dúzia de
ovos.
certamente não sobre
um interruptor de luz quebrado.
colhões são colhões,
é isso aí,
e com muita certeza
isso é verdade a respeito
dos colhões de um
gato.
os meus são bem moles
e macios e
diz-me minha atual
mulher
bem grandes:
“você tem colhões
enormes, Chinaski!”
mas os colhões do
gato:
eu não consigo
entender se ele está dependurado neles
ou se eles estão
dependurados nele.
você vê, há essa
batalha de atravessar quase toda a noite
pela fêmea
e isso não é nada
fácil para nenhum de nós.
veja:
falta um pedaço da
sua orelha esquerda.
certa vez pensei que
um de seus olhos tinha sido
arrancado
mas quando o sangue
seco
descascou
uma semana depois
aí estava seu puro
olho verde-dourado
me encarando.
todo o seu corpo está
coberto de escaras de mordidas
e no outro dia,
tentando acariciar
sua cabeça
ele gemeu e quase me
mordeu –
a pele do seu crânio
havia sido rasgada
até o osso.
com certeza não é
fácil para nenhum de nós,
pobre coitado.
ele dorme
e agora sonha
o quê?
um gordo pardal em
sua boca?
ou rodeado por gatas
com tesão?
ele sonha seus sonhos
diurnos
e nós saberemos o que
é
esta noite.
boa sorte, velho
camarada,
a vida não é fácil,
estamos dependurados
em nossos colhões, é assim que
estamos, ou seja,
estamos no cativeiro
de nossos colhões,
e eu deveria me conter
um pouco
quando se trata de
mulheres,
enquanto isso
olharei seus olhos e
me defenderei com jabs de esquerda
e correrei como do
diabo
quando nada mais
adiantar.
Referências:
BUKOWSKI, Charles. looking at the cat’s balls. In: __________. The people look like flowers at last:
new poems. Edited by John Martin. HarperCollins e-books. New York, NY: HarperCollins
Publishers Inc., 2008. p. 244-246.
BUKOWSKI, Charles. olhando os colhões
do gato. In: __________. As pessoas parecem
flores finalmente. Tradução de Cláudio Willer. 1. ed. Porto Alegre, RS:
L&PM, 2015. p. 240-242.
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