Com aquele ar soturno, misterioso, tenebroso ou sabe-se lá mais o quê, oferecemos à apreciação dos leitores um poema em que as influências do Baudelaire de “As Flores do Mal”
são suficientemente nítidas para serem negadas.
Como se nota, não foi apenas entre os poetas de alhures, como os
simbolistas brasileiros Cruz e Souza e Alphonsus de Guimaraens, que Baudelaire
marcou presença. Sua influência fez-se sentir mesmo entre os seus conterrâneos
franceses, Rollinat aí incluso.
Lembremo-nos que Rollinat já esteve antes nestas paragens,
nomeadamente com um poema sobre um felino, também retirado de sua obra máxima “Les
Nevroses” (“As Neuroses”).
J.A.R. – H.C.
Maurice Rollinat
(1846-1903)
Apresentação de Ari de Mesquita
(MESQUITA, 1988, p.
500)
Maurice Rollinat, poeta francês, nasceu no ano de 1846, em Châteauroux,
na departamento de Indre, e morreu na manhã do dia 26 de outubro de 1903, numa
casa de saúde de Ivry.
Aos vinte e dois anos
foi para Paris, onde escreveu para jornais e revistas, frequentou rodas
literárias e colaborou no segundo Parnaso.
Só em 1877 publicou o seu primeiro livro de versos, Dans les Brandes (Entre as Urzes), que lhe deu logo alguma
notoriedade. A sua glória começou realmente a resplandecer com a publicação do Les Nevroses (As Neuroses), que contém notáveis
poesias de gênero macabro e sinistro. Além desses publicou ainda, em verso, os
livros: L’Abîme (O Abismo); La Nature (A Natureza); Le Livre de la Nature (O Livro da Natureza);
Les Apparitions (As Aparições), e
Paysages et Paysans (Paisagens e e Campônios).
Se excetuarmos alguns versos celebrando liricamente a beleza, a calma e
a simplicidade dos panoramas e da vida monótona dos campos, as poesias de
Rollinat, ou melhor, as suas mais belas poesias se comprazem nos assuntos
hediondos, nas imagens funéreas, nas ideias aziagas e atrozes. Ora são as
visões de um degenerado, ora as dores físicas de um tuberculoso, ora os
sofrimentos morais de um paralítico, ora as torturas do corpo e do espírito de
um canceroso, ora os delírios de um cataléptico enterrado vivo, as fontes da
sua inspiração. Mas todo esse horror, e ainda o ambiente repleto de sapos, de
corujas, de aranhas, e de carnes putrefatas, são encravados em versos
enérgicos, nítidos e harmoniosos.
Todos sabem da influência que Baudelaire exerceu sobre Rollinat; o que
poucos sabem é que não foi muito menor a exercida por George Sand, grande amiga
da meninice e juventude do poeta. Contudo a originalidade do autor de Les Nevroses
sempre o pôs fora do perigo da imitação servil, do plágio, ou mesmo de se
inspirar diretamente nas ideias e imagens dos seus favoritos, ao invés de
receber somente o influxo do espírito das suas obras.
L’Horoscope
Par un soleil mourant dans d’horribles syncopes,
Mes spleens malsains
Évoquaient sur mon cas les divers horoscopes
Des médecins.
Partout la solitude
inquiétante, hostile,
Où chaque trou
Avait un mauvais cri
d’insecte, de reptile
Et de hibou.
J’étais dans un chemin désert, tenant du gouffre
Et du cachot,
Où l’orage imminent soufflait un vent de soufre
Épais et chaud,
Dans un chemin bordé de gigantesques haies
Qui faisaient peur,
Et de rocs mutilés qui se montraient leurs plaies
Avec stupeur.
Et j’allais, consterné, songeant: “Mon mal empire!”
Tâtant mon pouls,
Et rongé par l’effroi, par cet effroi vampire
Comme des poux;
Quand soudain, se dressant dans la brume uniforme
Devant mes pas,
Un long Monsieur coiffé d’un chapeau haut de forme
Me dit tout bas
Ces mots qui s’accordaient avec la perfidie
De son abord:
– “Prenez garde: car
vous avez la maladie
Dont je suis mort”.
O Horóscopo
Agonizava o sol em
síncopes... Eu ia
Triste,
triste, evocando
Sobre o cancro que
rói minha alma doentia
O
horóscopo nefando.
Ia crescendo em torno
a solidão, e espessas
As
sombras se tornavam;
De uma população de
espectros as cabeças
No
escuro se agitavam.
Sibilava-me em roda
aspérrima rajada
De
enxofre sufocante...
E era uma estrada
imensa a pavorosa estrada,
Que
eu seguia, arquejante;
Bordavam-na
espectrais rochedos, e, em fileiras,
As
árvores se erguiam...
Noctâmbulas legiões
de coisas agoureiras
Nas
trevas se moviam:
E eu, aflito e a
pensar nessa fatal doença,
Que
rói-me, ia convulso...
Batiam-me febris na
pirexia intensa
As
têmporas e o pulso;
Um gelado suor
lavava-me copioso
A
fronte... De repente
Um fantasma
surgiu medonho e pavoroso
Na
estrada, em minha frente,
E disse-me com voz
cava, funérea e dura:
“O
mal que hoje te afeta
É a mesma moléstia
horrível e sem cura
De
que eu morri, poeta!...”
(Tradução de Raimundo Correia)
Referências:
ROLLINAT, Maurice. Les spectres: l’horoscope. In: __________. Les névroses. Paris (FR): G.
Charpentier et Cie., 1885. p. 342-343.
ROLLINAT, Maurice. O horóscopo. In:
MESQUITA, Ari de (Seleção, prefácio e notas). O Livro de ouro da poesia universal: 30 séculos de poesia do século
IX a.c. até o século XX. Antologia. Rio de Janeiro: Tecnoprint/Ediouro, 1988.
p. 501.
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