Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 21 de abril de 2015

Ivan Junqueira - O Poema

Vai aqui mais um poema sobre o poema, um tema a que volta e meia os poetas regressam, haja vista que se trata de reflexão sobre o seu próprio labor, um labor expresso na arte de compor versos, de amor às palavras, à expressão de pensamentos que procuram manifestar, de modo o mais fidedigno possível, o que vai no recôndito de sua alma.

Veja-se como o poeta e tradutor carioca Ivan Junqueira, falecido ainda há pouco, metaforiza o poema: são anêmonas com vontade própria, depositadas no fundo do mar quotidiano, onde catalisam os informes da memória, do amor e do tormento, para oferecerem-se vivificadas aos recursos intelectivos do vate, que apenas as materializa em linguagem. Quanta beleza, não?!

J.A.R. – H.C.

Ivan Junqueira
(1934-2014)

O Poema

Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele é que se escreve e que se pensa,
como um polvo a distender-se, lento,
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.

Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo o que aos poucos se relembra:
um rosto, uma paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã adentro.

Ele se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, estrito, minudente,
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.

As palavras com que em vão o invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele é que cabe todo o engenho,

não a mim, que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir-se escrevendo. 


Referência:

JUNQUEIRA, Ivan. O poema. In: __________. Essa música. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2014. p. 9-10.

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