Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Pablo Neruda - Arte Poética

No belo poema em epígrafe, Neruda, o maior poeta chileno de todos os tempos – será que há outro maior que ele?! – assinala a dimensão profética que há no labor de quem faz da literatura o seu meio de vida.

E a matéria ou substância que compõe a obra do poeta é o que decanta em sua mente, nas horas de descanso em seu dormitório, depois do sacrifício que faz arder a vida no altar de todos os dias.

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

Arte Poética

Entre sombra y espacio, entre guarniciones y doncellas,
dotado de corazón singular y sueños funestos,
precipitadamente pálido, marchito en la frente
y con luto de viudo furioso por cada día de vida,
ay, para cada agua invisible que bebo soñolientamente
y de todo sonido que acojo temblando,
tengo la misma sed ausente y la misma fiebre fría
un oído que nace, una angustia indirecta,
como si llegaran ladrones o fantasmas,
y en una cáscara de extensión fija y profunda,
como un camarero humillado, como una campana un poco ronca,
como un espejo viejo, como un olor de casa sola
en la que los huéspedes entran de noche perdidamente ebrios,
y hay un olor de ropa tirada al suelo, y una ausencia de flores
– posiblemente de otro modo aún menos melancólico –,
pero, la verdad, de pronto, el viento que azota mi pecho,
las noches de substancia infinita caídas en mi dormitorio,
el ruido de un día que arde con sacrificio
me piden lo profético que hay en mí, con melancolía
y un golpe de objetos que llaman sin ser respondidos
hay, y un movimiento sin tregua, y un nombre confuso.

Todos os Tamanhos
(Kate Cameron: 1874 – 1965)

Arte Poética

Entre sombra e espaço, entre guarnições e donzelas,
dotado de coração singular e sonhos funestos,
precipitadamente pálido, rugas no cenho
e com luto de viúvo furioso por cada dia de vida,
ai, para cada água invisível que bebo sonolentamente
e de todo som que acolho tremendo,
tenho a mesma sede ausente e a mesma febre fria
um ouvido que nasce, uma angústia indireta,
como se chegassem ladrões ou fantasmas,
e numa casca de extensão fixa e profunda,
como um camareiro humilhado, como um sino um pouco rouco,
como um espelho velho, como um cheiro de casa isolada
na qual os hóspedes chegam à noite perdidamente ébrios,
e há um odor de roupa atirada ao chão, e uma ausência de flores
– possivelmente de outro modo ainda menos melancólico –,
porém, na verdade, subitamente, o vento que açoita o meu peito,
as noites de substância infinita caídas em meu dormitório,
o ruído de um dia que arde com sacrifício
me pedem o profético que há em mim, com melancolia
e uma pancada de objetos que chamam sem ser respondidos
há, e um movimento sem trégua, e um nome confuso.

Referência:

NERUDA, Pablo. Arte poética. In: __________. Five decades: poems 1925-1970. A bilingual edition edited and translated from the spanish by Ben Belitt. New York: Grove Press, 1974. p. 8.

Nenhum comentário:

Postar um comentário