Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 28 de abril de 2015

Herman Hesse - O Poeta

Literalmente um “lobo na estepe”, Hesse, o reputado escritor alemão – naturalizado suíço –, incorpora o poeta em estado de quase alheamento, um “contemplativo marginal”.

O poeta entrou em comunhão com a natureza e com os homens e, fixado em seu passamento, já não sente mais falta de um futuro, ponto de encontro de todas as utopias de plenitude do mundo.

Apesar de suas muitas glórias, mensuráveis pelas inúmeras coroas que lhe arrumaram no túmulo, não há como sua memória escapar do trabalho erosivo do tempo, “esse grande escultor”, como diria Marguerite Yourcenar.

J.A.R. – H.C.

Hermann Hesse
(1877-1962)

O Poeta

Somente para mim, o solitário,
murmura a fonte de pedra sua canção de magia;
só para mim, só para o solitário,
errantes nuvens passam arrastando
sombras de cores como sonhos sobre o campo.
Nem ofício me é dado,
nem casa, nem lavoura, nem pomar:
é meu somente o que a ninguém pertence
– é meu o arroio que coleia atrás do véu da mata,
meu é o fecundo mar,
meu é o trinado de pássaros das crianças que brincam,
a tristeza e o pranto do apaixonado a sós no entardecer,
Meus são também os templos dos deuses, meu é
o venerável horto do passado.
Minha pátria é não menos
a abóbada celeste com a luz do amanhã;
muitas vezes nas asas da saudade arroja-se minha alma
para o alto,
a olhar o glorioso porvir da humanidade,
o amor acima da lei, o amor de povo a povo.
Volto a encontrá-los todos nobremente mudados:
o camponês, o rei, o comerciante, a ativa marujada,
o jardineiro e o pastor, todos
agradecidos celebrando a festa mundial do porvir.
Falta apenas o poeta
– ele, o contemplativo marginal,
a imagem pálida e o portador do anseio da humanidade,
a quem o futuro, a plenitude do mundo,
já não faz falta: murcham
numerosas coroas em seu túmulo,
mas a memória dele está apagada. 


Referência:

HESSE, Hermann. O poeta. In: __________. Andares: antologia poética. Tradução de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1976. p. 59-60.

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