Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 3 de março de 2025

Archibald MacLeish - _____ & 42nd Street

O poeta nos apresenta uma visão caleidoscópica, ao mesmo tempo intricada e contraditória, da cidade de Nova Iorque, plasmada na interação entre os seus elementos físicos – que a caracterizam como sôfrega e suntuosa – e sociais – à luz de uma mirada crítica às segmentações comunitárias e raciais tão ostensivas naquela metrópole, fontanário de onde manam tanto a sua vitalidade e diversidade cultural, quanto as tensões que pululam à flor da pele.

 

No renovo da face ostensiva voltada à contemporaneidade, paulatinamente a urbe sempre perde algo de seu passado. Mas nada que torne imprescindível a sua glorificação nostálgica por meio do exagero ou da hipérbole: basta-lhe a própria existência, sua energia caótica, sua paisagem urbana inconfundível, a resiliência de sua identidade provocativa.

 

J.A.R. – H.C.

 

Archibald MacLeish

(1892-1982)

 

_____ & Forty-Second Street

 

Be proud New-York of your prize domes

And your docks & the size of your doors & your dancing

Elegant clean big girls & your

Niggers with narrow heels & the blue on their

Bad mouths & your bars & your automobiles

in the struck steel light & your

Bright Jews & your sorrow-sweet singing

Tunes & your signs wincing out in the wet

Cool shine & the twinges of

Green against evening...

 

When the towns go down there are stains of

Rust on the stone shores and illegible

Coins and a rhyme remembered of

 swans, say,

Or birds or leaves or a horse or fabulous

Bull forms or a falling of gold upon

Softness.

 

Be proud City of Glass of your

Brass roofs & the bright peaks of your

Houses!

Town that stood to your knees in the

Sea water be proud, be proud,

Of your high gleam on the sea!

 

Do they think,

                      Town,

They must rhyme your name with the name of a

Talking beast that the place of your walls be remembered?

 

In: “New Found Land” (1930)

 

Cidade de Nova Iorque: 42nd Street

(Dorrie Rifkin: pintora norte-americana)

 

_____ & 42nd Street

 

Orgulha-te, Nova Iorque, de tuas cúpulas sem igual,

de tuas docas, da envergadura de teus pórticos, de tuas

dançantes, graciosas, impolutas e crescidas garotas, de teus

negros com saltos estreitos, do azul em suas

bocas maléticas, de teus bares, de teus automóveis

sob a luz de aço batido, de teus

judeus brilhantes, de tuas doces e tristonhas

melodias, de teus anúncios que fremem em meio ao úmido

e frio esplendor, dos aguilhões

do verde contra o arrebol...

 

Quando as cidades declinam, há manchas

ferruginosas no pedregal das orlas, moedas

ilegíveis e uma rememorada rima de

  cisnes, digamos,

ou de pássaros, ou de folhas, ou de um ginete, ou de fabulosas

formas de touro, ou de uma garoa de ouro sobre a

brandura...

 

Orgulha-te, cidade de vidro, de teus

tetos de bronze, dos reluzentes pináculos de tuas

casas!

Cidade que se pôs de joelhos ante as

águas do mar, orgulha-te de teu intenso

esplendor sobre o mar!

 

Acaso se presume,

                               cidade,

que se deve rimar teu nome com o nome de uma

besta falante, para que seja evocado o lugar de tuas muralhas?

 

In: “Terranova” (1930)

 

Referência:

 

MACLEISH, Archibald. _____ & forty-second street. In: __________. Collected poemas: 1917-1952.         Cambridge, MA: The Riverside Press; Boston, MA: Houghton Mifflin Company, 1952. p. 66.

domingo, 2 de março de 2025

Mário Cesariny - Em todas as ruas te encontro

O falante passa por uma experiência apaixonada e obsediante em sua busca pelo amor, tanto em sua alçada onírica quanto na realidade física, pautadas ambas por uma oposição entre “encontrá-lo” e “perdê-lo”, o que sugere uma relação turbulenta, marcada por presenças e ausências, ou mesmo proximidades e distanciamentos de seu objeto de desejo.

 

O desvanecimento da fronteira entre sonho e realidade acaba por ministrar uma atmosfera de certo modo surrealista ao poema, num ciclo reiterado, ao mesmo tempo de constância e de fugacidade, de procura tenaz por sua amada, mesmo diante da antevisão de que, encontrando-a, nada a impedirá de voltar a engolfar-se nas veredas de incógnitas cercanias.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mário Cesariny

(1923-2006)

 

Em todas as ruas te encontro

 

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura

que é de olhos fechados que eu ando

a limitar a tua altura

e bebo a água e sorvo o ar

que te atravessou a cintura

tanto, tão perto, tão real

que o meu corpo se transfigura

e toca o seu próprio elemento

num corpo que já não é seu

num rio que desapareceu

onde um braço teu me procura

 

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te perco

 

Rua sob chuva

(Jacques Volpi: pintor francês)

 

Referência:

 

CESARINY, Mário. Em todas as ruas te encontro. In: __________. Pena capital. Lisboa, PT: Contraponto, 1957. p. 31.

sábado, 1 de março de 2025

Mohammed Dib - A um viajante

Em duas seções, este poema de Dib aponta tanto para o passado – aquilo de que o viajante se distancia, a saber, memórias e experiências familiares de um passado que se desvanece –, quanto para o futuro – sobre as razões de se viver num mundo marcado por incertezas, onde, decerto, a pureza e a inocência se perderão pelo caminho, muito embora a liberdade e o próprio destino sejam, de início, o que de mais determinante se tenha em vista.

 

Do tom melancólico da primeira seção ao esperançoso da segunda, vislumbra-se um outro modo de vida no exílio, a braços dados com a verdade, perscrutando-se os perigos da jornada ao amparo das necessárias cautelas, para não se esmorecer ante os desafios e obstáculos que, invariavelmente, costumam levar o corpo até as lindes do cansaço e do esgotamento.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mohammed Dib

(1920-2003)

 

A un voyageur

 

à Pierre Seghers

 

1. lieu de mémoire

 

entre les maisons du jour

et les feux de dernière main

ressac de splendeurs sur les collines

dont la cendre colporte le souvenir

la saison a flambé derrière toi

le soleil s’écaille à te chercher

c’est le temps opaque de la terre

c’est le temps de la suie étalée

un archipel noir et perdu

de doutes se hâte de souffler

la dernière lampe allumée

qui délire dans les dunes du nord

 

2. pour vivre

 

l’or de la fatigue peut-être

l’arme candide muette plus loin

l’entre-temps d’une neige

annoncée à cris dévorants

ce songe de vérité peut-être

son aurore aux mains de louve

tu vas avec d’autres gestes

recevoir ton exil d’une blancheur

habitée par quelques oiseaux

 

O homem viageiro

(Peter Williams: pintor inglês)

 

A um viajante

 

a Pierre Seghers

 

1. lugar da memória

 

entre as casas do dia

e os fogos de última hora

ressaca de esplendores sobre as colinas

cujas cinzas difundem a memória

a estação resplandeceu atrás de ti

o sol descasca-se à tua procura

é o tempo opaco da terra

é o tempo da fuligem espalhada

um arquipélago negro e perdido

de dúvidas apressa-se em apagar

a derradeira lâmpada acesa

que delira nas dunas do norte

 

2. para viver

 

o ouro da fadiga porventura

a cândida e muda arma mais à frente

o intervalo de uma nevasca

anunciada a gritos devoradores

quiçá esse sonho de verdade

sua aurora em mãos de loba

tu vais com outros gestos

receber teu exílio de uma brancura

habitada por alguns pássaros

 

Referência:

 

DIB, Mohammed. A un voyageur. In: CAWS, Mary Ann (Ed.). The Yale anthology of twentieth-century french poetry. 3. 1931–1945: Prewar and war poetry. Bilingual edition: French and English. New Haven, CT: Yale University Press, 2004. p. 300.