A poetisa norte-americana volta-se ao ambiente doméstico, onde domina a
figura arquetípica da dona de casa e da sereia, ao traçar neste poema um
panorama meio gótico, algo dissonante, sobre o mundo em que submersa está a
mulher, examinando, desconstruindo e desmistificando as exigências de beleza e
feminilidade que o permeiam.
Há muito de simbólico no poema: a própria efígie da sereia nos faz
lembrar do poder de sedução de um grupo delas sobre Ulisses, na narrativa da
Odisseia de Homero, quando o herói regressava a casa. Mas ora bem: evocar o
passado – com seus mitos e mortos – para se auscultar o futuro, não significa repeti-lo
por tradição, senão superá-lo, para que se possa transplantar essa mulher desse
remoto território a um outro, no qual já não paire sobre o correr dos dias a
poeira sedimentada das convenções.
J.A.R. – H.C.
Rae Armantrout
(n. 1947)
Necromance
Poppy under a young
pepper tree, she
thinks.
The Siren always
sings
like this. Morbid
glamour of the
singular.
Emphasizing correct
names
as if making amends.
Ideal
republic of the
separate
dust motes
afloat in abeyance.
Here the sullen
come to see their
grudge
as pose, modeling.
The flame trees tip
themselves
with flame.
But in that land
men prized
virginity. She washed
dishes in a black
liquid
with islands of froth –
and sang.
Couples lounge
in slim, fenced yards
beside the roar
of a freeway. Huge
pine
a quarter-mile off
floats. Hard to say
where
this occurs.
Third dingy
bird-of-paradise
from right. Emphatic
precision
is reavealed as
hostility. It is
just a bit further.
The mermaid’s
privacy.
(1991)
A Sereia
(Elisabeth Jerichau-Baumann:
pintora
polaco-dinamarquesa)
Necromancia
A papoula sob uma
jovem
pimenteira, pensa ela.
A Sereia sempre canta
assim. Mórbido
glamour do singular.
A enfatizar os nomes
corretos
como se retificando-se
estivesse.
A república
ideal das partículas
separadas de poeira
flutua em suspenso.
Aqui o ranzinza
vem a notar o seu
rancor
como pose, modelagem.
Os flamboyants inclinam-se
com ardor.
Mas naquela terra
os homens valorizavam
a virgindade. Ela
lavava
pratos num líquido
escuro
com ilhas de espuma –
e cantava.
Casais descansam
em jardins estreitos
e cercados
às proximidades de
uma rodovia
barulhenta. Um enorme
pinheiro
paira a um quarto de
milha
de distância. Difícil
dizer onde
isso ocorre.
Merencória terceira
ave do paraíso
a partir da direita.
Enfática
precisão
se revela como
hostilidade. Está
apenas
um pouco mais
distante.
A privacidade da
sereia.
(1991)
Referência:
ARMANTROUT, Rae. Necromance. In: HOOVER,
Paul (Ed.). A postmodern american
poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton
& Company Inc., 1994. p. 515-514.
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