Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Rae Armantrout - Necromancia

A poetisa norte-americana volta-se ao ambiente doméstico, onde domina a figura arquetípica da dona de casa e da sereia, ao traçar neste poema um panorama meio gótico, algo dissonante, sobre o mundo em que submersa está a mulher, examinando, desconstruindo e desmistificando as exigências de beleza e feminilidade que o permeiam.

Há muito de simbólico no poema: a própria efígie da sereia nos faz lembrar do poder de sedução de um grupo delas sobre Ulisses, na narrativa da Odisseia de Homero, quando o herói regressava a casa. Mas ora bem: evocar o passado – com seus mitos e mortos – para se auscultar o futuro, não significa repeti-lo por tradição, senão superá-lo, para que se possa transplantar essa mulher desse remoto território a um outro, no qual já não paire sobre o correr dos dias a poeira sedimentada das convenções.

J.A.R. – H.C.

Rae Armantrout
(n. 1947)

Necromance

Poppy under a young
pepper tree, she thinks.
The Siren always sings
like this. Morbid
glamour of the singular.
Emphasizing correct names
as if making amends.

Ideal
republic of the separate
dust motes
afloat in abeyance.
Here the sullen
come to see their grudge
as pose, modeling.

The flame trees tip themselves
with flame.
But in that land
men prized
virginity. She washed
dishes in a black liquid
with islands of froth
and sang.

Couples lounge
in slim, fenced yards
beside the roar
of a freeway. Huge pine
a quarter-mile off
floats. Hard to say where
this occurs.

Third dingy
bird-of-paradise
from right. Emphatic
precision
is reavealed as
hostility. It is
just a bit further.

The mermaid’s
privacy.

(1991)

A Sereia
(Elisabeth Jerichau-Baumann:
pintora polaco-dinamarquesa)

Necromancia

A papoula sob uma jovem
pimenteira, pensa ela.
A Sereia sempre canta
assim. Mórbido
glamour do singular.
A enfatizar os nomes corretos
como se retificando-se estivesse.

A república
ideal das partículas
separadas de poeira
flutua em suspenso.
Aqui o ranzinza
vem a notar o seu rancor
como pose, modelagem.

Os flamboyants inclinam-se
com ardor.
Mas naquela terra
os homens valorizavam
a virgindade. Ela lavava
pratos num líquido escuro
com ilhas de espuma –
e cantava.

Casais descansam
em jardins estreitos e cercados
às proximidades de uma rodovia
barulhenta. Um enorme pinheiro
paira a um quarto de milha
de distância. Difícil dizer onde
isso ocorre.

Merencória terceira
ave do paraíso
a partir da direita. Enfática
precisão
se revela como
hostilidade. Está apenas
um pouco mais distante.

A privacidade da
sereia.

(1991)

Referência:

ARMANTROUT, Rae. Necromance. In: HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton & Company Inc., 1994.p. 515-514.

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