Não fosse o soneto abaixo de autoria do médico e poeta paulista, diria
eu que se alguém viesse a me questionar sobre quem o compôs, não teria nenhum
pudor em imputá-lo à pena do paleontólogo e jesuíta Teilhard de Chardin, pois
razões ou inferências para tanto pululam à volta do seu tema, tantas vezes
abordado nos escritos legados pelo francês!
Mas tudo não passa de tergiversação. Afinal, o que o poeta imagina são
conexões entre a arquitetura e a música, vendo equivalentes nas manifestações
clássicas de ambas as artes: ali, nos elementos decorativos que há algumas
centúrias singularizavam as edificações, sobretudo das cidades europeias; aqui,
nos movimentos característicos das grandes composições para orquestra. E se
perceba a inversão dos sentidos tocados por tais artes: as orquestras se ouvem
pelos olhos; e os prédios se veem pelos ouvidos...
J.A.R. – H.C.
Martins Fontes
(1884-1937)
O Espírito da Matéria
Também as catedrais
são sinfonias:
Rege a massa coral da
arquitetura
a divinização da
partitura;
e ambas se irmanam
por analogias!
O alegro, o adágio, o
andante, a tessitura,
o arco, o fuste, o
florão... Alegorias
que, pela execução
das harmonias,
timbram exatas, no
esplendor da altura!
E, pelos olhos, as
orquestras se ouvem.
E, pelo ouvido, a
torre se levanta,
Para que os sonhos da
matéria louvem!
E, na sua amplitude
sacrossanta,
a alma de um
Brunelleschi ou de um Beethoven,
fulge na pedra,
quando a pedra canta!
Em: “A Canção de Ariel” (1938)
Alegoria da Arquitetura
(Angelika Kauffmann:
pintora suíça)
Referência:
FONTES, Martins. O espírito da matéria.
In: __________. Poesia: antologia. Seleção
e organização de Cassiano Ricardo. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1959.
p. 90. (“Nossos Clássicos”; v. 40)
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