Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Henri Allorge - Harmonia do Ser

O poeta questiona as razões pelas quais o ser humano deve distinguir-se na busca do bem, do belo e do verdadeiro. E ante a ciência, vê que todo o encanto parece esvair-se, porque fundamentada como é em estatutos de racionalidade, apela bem mais ao pensamento crítico do que à emoção ou ao sentimento.

É que a alma do vate não pode prescindir dos mistérios que assombram o mundo – sonhos, incertezas, antagonismos, despropósitos, fados –, tudo muito bem ponderado, até que se convolem em harmonia do ser. Se assim for, a vida – dúvida suprema! – talvez apresente maior conexão com os fios que fazem arrastar, “ad infinitum”, as ambições de gratificação e de perpetuidade.

J.A.R. – H.C.

Henri Allorge
(1878-1938)

Harmonia do Ser

Por que viver? A vida é a dúvida suprema!
– “Dormir, dizem no Oriente, é melhor que velar;
Morrer inda é melhor que adormecer” – Problema
Que ninguém resolveu. E, insondável Teorema,
Eu amo a tua lei que os homens faz curvar.

Por que o Belo buscar, essa branca figura,
Dos sonhos, que o olhar segue no espaço em vão?
O Belo não existe. Amar é uma loucura. . .
E, no entanto, a se espelhar na brilhante lisura,
Busca um elo de amor, ansioso, o coração.

Por que amar a Verdade? A Quimera insinua
Em nossa alma o dulçor de uma vida invejada,
Veste de oiro a Ilusão e a verdade é tão nua.
O amargor da Ciência em tudo se acentua...
E, de verdade, entanto a alma trago insaciada.

Por que o Bem praticar? Por que sentir o pranto
Dos outros e sofrer? Por que sonhar desperto?
Ter uma alma vulgar, alheia a todo o encanto
É ser demais feliz, é viver e, entretanto,
Sonho! Quero ascender onde pairar o incerto.

Por quê? Termo cruel que extermina a vaidade!
Pois minh’alma, a pulsar, conhece a magna essência
Que a Terra fez nascer e, em toda a sumidade,
Após a gestação dos mundos, Divindade,
Assiste, passo a passo, o rolar da existência.

É que eu escuto sempre a voz grave dos Fados,
Retumbante a fremir, como as vozes dos mares,
Ensinando-me a ver, pelos dias trilhados,
O mistério que anima e, após anos passados,
Faz a terra tremer e os mundos seculares.

É que, assim, a vibrar, o meu ser comunica
O imo do coração com o éter sideral
E a natureza toda em mim se identifica.
E da harmonia, a lei, que a vida certifica,
Das coisas, me ditou o meu eterno Ideal!

Harmonia do Ser
(Kinga Ogiegło: artista polonesa)

Referência:

ALLORGE, Henri. Harmonia do ser. Tradução de Leonor Posada. In: MAGALHÃES JR., Raimundo (Ed.). Antologia de poetas franceses. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950. p. 14-15.

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