O poeta questiona as razões pelas quais o ser humano deve distinguir-se na
busca do bem, do belo e do verdadeiro. E ante a ciência, vê que todo o encanto parece
esvair-se, porque fundamentada como é em estatutos de
racionalidade, apela bem mais ao pensamento crítico do que à emoção ou ao
sentimento.
É que a alma do vate não pode prescindir dos mistérios que assombram o
mundo – sonhos, incertezas, antagonismos, despropósitos, fados –, tudo muito
bem ponderado, até que se convolem em harmonia do ser. Se assim for, a vida –
dúvida suprema! – talvez apresente maior conexão com os fios que fazem arrastar, “ad infinitum”, as ambições de gratificação e de perpetuidade.
J.A.R. – H.C.
Henri Allorge
(1878-1938)
Harmonia do Ser
Por que viver? A vida
é a dúvida suprema!
– “Dormir, dizem no
Oriente, é melhor que velar;
Morrer inda é melhor
que adormecer” – Problema
Que ninguém resolveu.
E, insondável Teorema,
Eu amo a tua lei que
os homens faz curvar.
Por que o Belo
buscar, essa branca figura,
Dos sonhos, que o
olhar segue no espaço em vão?
O Belo não existe.
Amar é uma loucura. . .
E, no entanto, a se
espelhar na brilhante lisura,
Busca um elo de amor,
ansioso, o coração.
Por que amar a
Verdade? A Quimera insinua
Em nossa alma o
dulçor de uma vida invejada,
Veste de oiro a
Ilusão e a verdade é tão nua.
O amargor da Ciência
em tudo se acentua...
E, de verdade,
entanto a alma trago insaciada.
Por que o Bem
praticar? Por que sentir o pranto
Dos outros e sofrer?
Por que sonhar desperto?
Ter uma alma vulgar,
alheia a todo o encanto
É ser demais feliz, é
viver e, entretanto,
Sonho! Quero ascender
onde pairar o incerto.
Por quê? Termo cruel
que extermina a vaidade!
Pois minh’alma, a
pulsar, conhece a magna essência
Que a Terra fez
nascer e, em toda a sumidade,
Após a gestação dos
mundos, Divindade,
Assiste, passo a
passo, o rolar da existência.
É que eu escuto
sempre a voz grave dos Fados,
Retumbante a fremir,
como as vozes dos mares,
Ensinando-me a ver,
pelos dias trilhados,
O mistério que anima
e, após anos passados,
Faz a terra tremer e
os mundos seculares.
É que, assim, a
vibrar, o meu ser comunica
O imo do coração com
o éter sideral
E a natureza toda em
mim se identifica.
E da harmonia, a lei,
que a vida certifica,
Das coisas, me ditou
o meu eterno Ideal!
Harmonia do Ser
(Kinga Ogiegło:
artista polonesa)
Referência:
ALLORGE, Henri. Harmonia do ser.
Tradução de Leonor Posada. In: MAGALHÃES JR., Raimundo (Ed.). Antologia de poetas franceses. Rio de
Janeiro: Gráfica Tupy, 1950. p. 14-15.
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