O poeta fala de seu ofício. Ou melhor, de como se deve interpretar o
resultado de seu ofício – o poema –, que, saído de suas mãos, já não lhe
pertence ante a imaginação e os caprichos do leitor, artífice dos inúmeros
modos de articular a matéria que lhe assoma ao espírito, em colação aos versos
que os seus olhos miram na página.
A poesia, assim, é mais de quem lê o poema do que quem o escreve,
afirma-o Miranda, pois as palavras vão além do próprio signo linguístico, expandindo-se
em tessituras, sinestesias, ventriloquia. E então retornamos ao próprio poeta:
além de um pessoano “fingidor”, eis aí mais uma definição do bardo – um
ventríloquo!
J.A.R. – H.C.
Antonio Miranda
(n. 1940)
Poética
Para Trina Quiñones
Um menino me disse
– mas estava enganado
–
gostar de poesia
porque
ele lia tudo
rapidinho.
Ledo engano: quanto
menor
o poema, mais denso
requer pausas,
releituras
cruzar os
pensamentos.
Ler no espaço das
palavras
além das formas/ideias
não ler as palavras
mas sua tessitura
interna.
A poesia é mais de
quem lê
do que de quem
escreve
– o poema
circunscreve
um universo qualquer.
Todo poema é
hermético
requer um cerco
desvendar
porque o poeta-ventríloquo
fala pela boca de
outrem.
Palavras-coisas,
lapidais.
Palavras-pessoas,
além
de si mesmas – outras
– palavras homologais
mesmo as
circunstanciais
cifradas no eu-mesmo
da poesia do
circunlóquio
que se liberta e
ganha
espaço.
Interpretação de um Poema
(Margareth Osju:
artista brasileira)
Referência:
MIRANDA, Antonio. Poética. In:
__________. Retratos & poesia
reunida. Brasília, DF: Thesaurus, 2004. p. 56-57.
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