“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens”, já dizia
Florbela Espanca, naquele belo soneto. Aqui, quem se põe a definir quem é
o poeta, esse hermeneuta de sinais não perceptíveis aos outros simples mortais,
é Atílio Milano (1897-1955), poeta, jornalista e irmão mais velho do também
poeta Dante Milano.
E Atílio se assemelha a Florbela em relação à missão altaneira atribuída
ao vate, uma divindade em forma humana, um semideus perpassado por pensamentos
e sentimentos de grandeza e benevolência, ou ainda: um sacerdote a pressagiar
os lances futuros nesse tabuleiro de equações e incógnitas em que a humanidade
foi lançada, em pleno vergel edênico.
J.A.R. – H.C.
Alegoria da Poesia
(Francois Boucher:
pintor francês)
O Poeta!
O poeta!
O poeta não tem nada
com o homem: é semideus,
homem divino;
habita entre o céu e
a terra,
vagueia entre as asas
e as nuvens,
à procura do
pensamento que, entre os relâmpagos,
tem a inspiração dos
astros!
O seu peito é arca de
sentimentos,
– e pelo sentimento
se adivinha, como os vates! –
a sua cabeça, tesouro
de pensamentos,
– e pelo pensamento
se prediz, como os arúspices! – (1)
Suas palavras são
imagens,
suas frases,
sentenças;
por isto o que diz se
escreve,
porque não fala por
meros vocábulos,
pois só se exprime em
termos.
Pelo sentimento tão
bom, o poeta é belo;
pelo pensamento tão
grande, o poeta é forte!
Nesse dia a poesia
nasceu na terra,
quando o primeiro
homem insultado perdoou.
Que o poeta tem muito
de Deus
e quase nada do
homem:
tem ambição de glória
e não tem sonhos de
riqueza!
Incende-lhe o cérebro
o clarão vivido dos raios,
abebera-se-lhe o
coração no maná vital das lágrimas!
Não tem corpo senão
para refém da alma:
é bom de corpo e
alma!
O poeta é o espírito,
o espírito que criou o pranto!
Ninguém encontrou a
poesia adulando os imperadores
pelas ruas da Grécia:
deixava-se ficar
camarariamente no tonel de Diógenes! (2)
ninguém a viu à mesa
dos cresos: (3)
jejuava pacientemente
à direita da pobreza de Jó!
Para ser poeta, um
príncipe fugiu de seu palácio e foi
ser Buda!
O poeta! as suas mãos
são a vista dos cegos,
os seus olhos o
bordão das almas!
Nenhum moço foi mais
belo do que o velho Anacreonte,
nenhuma mulher mais
linda do que o jovem Virgílio,
– porque Anacreonte
era poeta e o poeta sempre
rejuvenesce!
porque Virgílio era
poeta e o poeta nunca envelhece! –
Ser poeta!
Ah! Eu só queria que
o homem se aproximasse do poeta
como o poeta se
aproxima de Deus!
(Do “Panegírico da morte”)
Alegoria da Poesia
(Madame Lebrun:
pintora francesa)
Elucidário:
(1) Arúspices – nome dos antigos
sacerdotes romanos que lançavam presságios, prognósticos ou adivinhações a
partir de consultas a vísceras de animais;
(2) Camarariamente – de modo camarário,
ou seja, relativo à câmara;
(3) Cresos – pessoas detentoras de
grandes riquezas.
Referência:
MILANO, Attilio. O poeta!. In:
__________. Todos os poemas. Rio de
Janeiro: Zelio Valverde, 1942. p. VII e VIII.
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