Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Atílio Milano - O Poeta!‎

“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens”, já dizia Florbela Espanca, naquele belo soneto. Aqui, quem se põe a definir quem é o poeta, esse hermeneuta de sinais não perceptíveis aos outros simples mortais, é Atílio Milano (1897-1955), poeta, jornalista e irmão mais velho do também poeta Dante Milano.

E Atílio se assemelha a Florbela em relação à missão altaneira atribuída ao vate, uma divindade em forma humana, um semideus perpassado por pensamentos e sentimentos de grandeza e benevolência, ou ainda: um sacerdote a pressagiar os lances futuros nesse tabuleiro de equações e incógnitas em que a humanidade foi lançada, em pleno vergel edênico.

J.A.R. – H.C.

Alegoria da Poesia
(Francois Boucher: pintor francês)


O Poeta!

O poeta!

O poeta não tem nada com o homem: é semideus,
homem divino;
habita entre o céu e a terra,
vagueia entre as asas e as nuvens,
à procura do pensamento que, entre os relâmpagos,
tem a inspiração dos astros!

O seu peito é arca de sentimentos,
– e pelo sentimento se adivinha, como os vates! –
a sua cabeça, tesouro de pensamentos,
– e pelo pensamento se prediz, como os arúspices! – (1)

Suas palavras são imagens,
suas frases, sentenças;
por isto o que diz se escreve,
porque não fala por meros vocábulos,
pois só se exprime em termos.

Pelo sentimento tão bom, o poeta é belo;
pelo pensamento tão grande, o poeta é forte!

Nesse dia a poesia nasceu na terra,
quando o primeiro homem insultado perdoou.

Que o poeta tem muito de Deus
e quase nada do homem:
tem ambição de glória
e não tem sonhos de riqueza!

Incende-lhe o cérebro o clarão vivido dos raios,
abebera-se-lhe o coração no maná vital das lágrimas!

Não tem corpo senão para refém da alma:
é bom de corpo e alma!

O poeta é o espírito, o espírito que criou o pranto!

Ninguém encontrou a poesia adulando os imperadores
pelas ruas da Grécia:
deixava-se ficar camarariamente no tonel de Diógenes! (2)
ninguém a viu à mesa dos cresos: (3)
jejuava pacientemente à direita da pobreza de Jó!

Para ser poeta, um príncipe fugiu de seu palácio e foi
ser Buda!

O poeta! as suas mãos são a vista dos cegos,
os seus olhos o bordão das almas!

Nenhum moço foi mais belo do que o velho Anacreonte,
nenhuma mulher mais linda do que o jovem Virgílio,
– porque Anacreonte era poeta e o poeta sempre
rejuvenesce!
porque Virgílio era poeta e o poeta nunca envelhece! –

Ser poeta!

Ah! Eu só queria que o homem se aproximasse do poeta
como o poeta se aproxima de Deus!

(Do “Panegírico da morte”)

Alegoria da Poesia
(Madame Lebrun: pintora francesa)

Elucidário:

(1) Arúspices – nome dos antigos sacerdotes romanos que lançavam presságios, prognósticos ou adivinhações a partir de consultas a vísceras de animais;
(2) Camarariamente – de modo camarário, ou seja, relativo à câmara;
(3) Cresos – pessoas detentoras de grandes riquezas.

Referência:

MILANO, Attilio. O poeta!. In: __________. Todos os poemas. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1942. p. VII e VIII.

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