Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Arturo Torres-Rioseco - Nova Iorque ‎

O poeta chileno desenha um retrato escatológico da “Big Apple” em que se superpõem, no evoluir dos versos, pinceladas que geram contrastes cada vez mais vigorosos sobre o plano moribundo em que formigam – pelo menos enquanto o autor ali esteve, por pouco mais de um ano – sete milhões de almas.

A imagem final que perdura em sua mente é a de um cenário devastado pela ação predatória do homem, no qual os elementos animados da natureza espreitam o ocaso a cada passo, tal que a diferença entre permanecer vivo ou morrer paira sobre o infausto recurso a um revólver, capaz de superar todas as dores.

J.A.R. – H.C.

Arturo Torres-Rioseco
(1897-1971)

Nueva York

La tierra te sirvió de nodriza y maestra,
de la espina salieron las puntas de tus torres,
de los colmenares los cubos cálidos de tus arañacielos;
con la ciencia elemental de la hormiga movilizas tus siete millones
en las mañanas frescas de melón y en los crepúsculos de naranja.
Si cantan tus tranvías hay avisos de cañaverales,
si rien las negras hay perlas que tiritan en la carne fría de las ostras,
en el andar de tus mujeres hay rápidos enlaces de pulpos,
a tu sombra duermen los cementerios abrasados.
En tu río desnudos juegan los mancebos y las brisas,
mancebos rudos y doncellas de extasiado sexo,
mariposas gigantes pasan rozando las azoteas
atraídas por las orquídeas que florecen a destiempo.
Allí, en tus calles yo, joven sonâmbulo,
artesano dei sueño, de puntudas rodillas,
con una palidez de mil noches de abstinência y deseo,
mordiendo en mis vigilias visiones y en mis manos
deshojando camelias de mujeres vistas en los subways.
Yo, con humildad y silencio de perro de hombre muerto,
temeroso de cortar los pétalos de la rosa,
temeroso de agotar la copa púrpura de tus bares,
en una doliente continuidad de pobrezas provincianas.
En mi catre de hombre solo se morían las aves de recuerdo,
debajo de mis sábanas corrían los arroyos de mi infancia,
mis piernas descansaban largamente en estas aguas...
Yo sabía que ciertas cartas venían a mí por el mar,
cartas de voces calientes de amor, de solaridad, de ternura,
prisioneras en las heladas bodegas de los buques.
Estas eran mis muletas de hombre mutilado en ninguna guerra,
esas eran mis alas de canario caído en una hoguera,
esas eran mis garras de tigre convertido en tapiz
mi canto auroral de pájaro disecado.
Por ellas podía yo desafiar a las muchedumbres en sus conchas,
y herir el vientre de los peces arrojados a las playas...
Y vi que la vida de tu gente era una muerte constante,
y que las voces del amor eran como roce dc escamas,
y que los espejos deformaban los rostros de amigos y parientes,
y que las mujeres iban vestidas de plata y de mercúrio,
y me alejé de tu densa floresta de visiones
con la alegría sencilla de los jilgueros cautivos
que recobran el vuelo en la hoja del sauce y en el olmo.
Y por eso mi recuerdo de ti estará junto a un revólver,
al lado de un dolor agudo en los dedos y en los ojos,
en una pradera interminable y negra
en que se pudre una orquídea entre latas de aceite y chocolate
y agoniza un violinista con los ojos llenos de estrellas y de espanto.

Vista da Cidade de Nova Iorque:
Ponte do Brooklyn
(Debra Hurd: artista norte-americana)

Nova Iorque

A terra te serviu de nutriz e de mestra,
do espinho saíram as pontas de tuas torres,
dos colmeais, os cubos de teus arranha-céus.
Com a ciência elementar da formiga mobilizas teus sete milhões,
nas manhãs de melão e nos crepúsculos de laranja.
Se teus bondes cantam, é um aviso de canaviais,
se riem as negras, há pérolas tiritando na carne fria das ostras;
no andar de tuas mulheres há rápidos enlaces de polvo,
à tua sombra dormem os cemitérios abraçados.
Em teu rio, brincam nus os rapazes e as brisas.
Rudes rapazes e donzelas de extasiado sexo.
Mariposas gigantes passam roçando os terraços,
atraídas pelas orquídeas que florescem fora de tempo.
Por entre tuas ruas eu, jovem sonâmbulo,
artesão do sonho, de pontudos joelhos,
com a palidez de mil noites de abstinência e desejo,
em minhas vigílias mordendo visões, e nas mãos
desfolhando camélias de mulheres vistas no subway,
eu, com humildade e silêncio de cão de homem morto,
com medo de cortar as pétalas de rosa,
com medo de esgotar a taça vermelha de teus bares,
numa dolente continuidade de pobrezas provincianas.
Em meu catre de homem só morriam as aves da lembrança,
por baixo do lençol deslizavam os rios de minha infância,
minhas pernas descansavam largamente nessas águas.
Eu sabia que certas cartas chegavam a mim pelo mar,
cartas com vozes quentes de afeto e ternura,
prisioneiras dos gelados porões dos navios.
Estas eram minhas muletas de homem mutilado em nenhuma guerra,
minhas asas de canário caído na fogueira,
minhas garras de tigre convertido em tapete,
meu canto matinal de pássaro dissecado.
Por isto podia eu desafiar as multidões em suas conchas,
e ferir o ventre dos peixes atirados à praia.
E vi que a vida de tua gente era morte constante,
que as vozes de amor eram como atrito de escamas,
que os espelhos deformavam os olhos de amigos e parentes,
que as mulheres iam vestidas de prata e mercúrio,
e afastei-me de tua densa floresta de visões
com a alegria simples dos pintassilgos cativos
que retomam o voo na folha do salgueiro e no olmo.
Por isto minha lembrança de ti ficará junto a um revólver,
ao lado de uma dor aguda nos dedos e nos olhos,
num campo interminável e negro
em que apodrece uma orquídea entre latas de azeite e chocolate
e agoniza um violinista com olhos cheios de estrelas e de espanto.

Referência:

TORRES-RIOSECO, Arturo. Nueva York / Nova Iorque. Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In: ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia traduzida. Organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. Introdução de Júlio Castañon Guimarães. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2011. Em espanhol: p. 310 e 312; em português: p. 311 e 313. (Coleção “Ás de colete”; 20)

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