O poeta chileno desenha um retrato escatológico da “Big Apple” em que se superpõem, no
evoluir dos versos, pinceladas que geram contrastes cada vez mais vigorosos
sobre o plano moribundo em que formigam – pelo menos enquanto o autor ali esteve,
por pouco mais de um ano – sete milhões de almas.
A imagem final que perdura em sua mente é a de um cenário devastado pela
ação predatória do homem, no qual os elementos animados da natureza espreitam o
ocaso a cada passo, tal que a diferença entre permanecer vivo ou morrer paira
sobre o infausto recurso a um revólver, capaz de superar todas as dores.
J.A.R. – H.C.
Arturo Torres-Rioseco
(1897-1971)
Nueva York
La tierra te sirvió
de nodriza y maestra,
de la espina salieron
las puntas de tus torres,
de los colmenares los
cubos cálidos de tus arañacielos;
con la ciencia
elemental de la hormiga movilizas tus siete millones
en las mañanas frescas
de melón y en los crepúsculos de naranja.
Si cantan tus
tranvías hay avisos de cañaverales,
si rien las negras
hay perlas que tiritan en la carne fría de las ostras,
en el andar de tus
mujeres hay rápidos enlaces de pulpos,
a tu sombra duermen
los cementerios abrasados.
En tu río desnudos
juegan los mancebos y las brisas,
mancebos rudos y
doncellas de extasiado sexo,
mariposas gigantes
pasan rozando las azoteas
atraídas por las
orquídeas que florecen a destiempo.
Allí, en tus calles yo,
joven sonâmbulo,
artesano dei sueño,
de puntudas rodillas,
con una palidez de mil
noches de abstinência y deseo,
mordiendo en mis
vigilias visiones y en mis manos
deshojando camelias
de mujeres vistas en los subways.
Yo, con humildad y
silencio de perro de hombre muerto,
temeroso de cortar
los pétalos de la rosa,
temeroso de agotar la
copa púrpura de tus bares,
en una doliente continuidad
de pobrezas provincianas.
En mi catre de hombre
solo se morían las aves de recuerdo,
debajo de mis sábanas
corrían los arroyos de mi infancia,
mis piernas descansaban
largamente en estas aguas...
Yo sabía que ciertas cartas venían a mí por el mar,
cartas de voces calientes
de amor, de solaridad, de ternura,
prisioneras en las heladas
bodegas de los buques.
Estas eran mis
muletas de hombre mutilado en ninguna guerra,
esas eran mis alas de
canario caído en una hoguera,
esas eran mis garras
de tigre convertido en tapiz
mi canto auroral de
pájaro disecado.
Por ellas podía yo
desafiar a las muchedumbres en sus conchas,
y herir el vientre de
los peces arrojados a las playas...
Y vi que la vida de
tu gente era una muerte constante,
y que las voces del
amor eran como roce dc escamas,
y que los espejos
deformaban los rostros de amigos y parientes,
y que las mujeres
iban vestidas de plata y de mercúrio,
y me alejé de tu
densa floresta de visiones
con la alegría sencilla
de los jilgueros cautivos
que recobran el vuelo
en la hoja del sauce y en el olmo.
Y por eso mi recuerdo
de ti estará junto a un revólver,
al lado de un dolor
agudo en los dedos y en los ojos,
en una pradera
interminable y negra
en que se pudre una
orquídea entre latas de aceite y chocolate
y agoniza un
violinista con los ojos llenos de estrellas y de espanto.
Vista da Cidade de Nova Iorque:
Ponte do Brooklyn
(Debra Hurd: artista
norte-americana)
Nova Iorque
A terra te serviu de nutriz e de
mestra,
do espinho saíram as pontas de
tuas torres,
dos colmeais, os cubos de teus
arranha-céus.
Com a ciência elementar da
formiga mobilizas teus sete milhões,
nas manhãs de melão e nos
crepúsculos de laranja.
Se teus bondes cantam, é um aviso
de canaviais,
se riem as negras, há pérolas
tiritando na carne fria das ostras;
no andar de tuas mulheres há
rápidos enlaces de polvo,
à tua sombra dormem os cemitérios
abraçados.
Em teu rio, brincam nus os
rapazes e as brisas.
Rudes rapazes e donzelas de
extasiado sexo.
Mariposas gigantes passam roçando
os terraços,
atraídas pelas orquídeas que
florescem fora de tempo.
Por entre tuas ruas eu, jovem
sonâmbulo,
artesão do sonho, de pontudos
joelhos,
com a palidez de mil noites de
abstinência e desejo,
em minhas vigílias mordendo
visões, e nas mãos
desfolhando camélias de mulheres
vistas no subway,
eu, com humildade e silêncio de
cão de homem morto,
com medo de cortar as pétalas de
rosa,
com medo de esgotar a taça
vermelha de teus bares,
numa dolente continuidade de
pobrezas provincianas.
Em meu
catre de homem só morriam as aves da lembrança,
por baixo do lençol deslizavam os
rios de minha infância,
minhas pernas descansavam
largamente nessas águas.
Eu sabia que certas cartas
chegavam a mim pelo mar,
cartas com vozes quentes de afeto
e ternura,
prisioneiras dos gelados porões
dos navios.
Estas eram minhas muletas de
homem mutilado em nenhuma guerra,
minhas asas de canário caído na
fogueira,
minhas garras de tigre convertido
em tapete,
meu canto matinal de pássaro
dissecado.
Por isto podia eu desafiar as
multidões em suas conchas,
e ferir o ventre dos peixes
atirados à praia.
E vi que a vida de tua gente era
morte constante,
que as vozes de amor eram como
atrito de escamas,
que os espelhos deformavam os
olhos de amigos e parentes,
que as mulheres iam vestidas de
prata e mercúrio,
e afastei-me de tua densa
floresta de visões
com a alegria simples dos
pintassilgos cativos
que retomam o voo na folha do
salgueiro e no olmo.
Por isto minha lembrança de ti
ficará junto a um revólver,
ao lado de uma dor aguda nos
dedos e nos olhos,
num campo interminável e negro
em que apodrece uma orquídea
entre latas de azeite e chocolate
e agoniza um violinista com olhos
cheios de estrelas e de espanto.
Referência:
TORRES-RIOSECO, Arturo. Nueva York /
Nova Iorque. Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In: ANDRADE, Carlos Drummond
de. Poesia traduzida. Organização e
notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. Introdução de Júlio Castañon
Guimarães. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2011. Em espanhol: p. 310 e 312; em
português: p. 311 e 313. (Coleção “Ás de colete”; 20)
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