Numa mescla de ironia,
humor negro e reflexão filosófica, o poeta confronta o tema da mortalidade
através de um objeto macabro – um crânio –, que, ao ser atribuído a diversas
figuras eminentes da literatura mundial, acaba por ressaltar a universalidade
de todos quantos são superados pela passagem do tempo, desafiando a ideia de um
mais além.
A referência a Dostoiévski,
Shelley, Gogol, Baudelaire e Poe – artistas que deixaram um duradouro legado –
indica, de algum modo, o interesse de Markson pela literatura, pela
engenhosidade criativa e pela busca de um significado mais profundo em seu
próprio mister e, por extensão, em sua atividade intelectual, mantendo a
cordura por meio de seus poemas sardônicos e espirituosos.
J.A.R. – H.C.
David Markson
(1927-2010)
Skull
That’s Dostoyevsky’s
skull beside my desk.
Oh, well, perhaps
it’s Percy Shelley’s then.
In either case the
skull’s a skull, no fear:
True tears in those
two hooded sockets once.
The teeth are bad,
which may mean youth was gone;
Were Gogol’s teeth
undone? Were Baudelaire’s?
One night, oh, years
ago, Jack Kerouac
Contrived to wedge a
candle stub in there;
We meant to watch it
glow, but only slits
Along that jaw would
let out any light.
“This thankless
peon’s got no soul,” Jack said.
Next day on breakfast
thought he swore it Poe.
There’s scarce
profundity in this, lame ploy
To balance out one’s
grimmer view of things;
Like questioning how
long the soul’s rot takes,
Let’s say: would Jack
himself be clean bone yet?
Ah, Christ, trust
life to intervene indeed –
And darken even jests
that keep us sane.
Jovem com um crânio
(Paul Cézanne: pintor
francês)
Crânio
Esse é o crânio de
Dostoiévski ao lado da minha secretária.
Oh, bem, então talvez
seja o de Percy Shelley.
Em qualquer dos
casos, não passa de um crânio, não há o que temer:
Já correram lágrimas
verdadeiras por essas duas órbitas vendadas.
Os dentes estão
cediços, quem sabe a denotar que a juventude se foi;
Estavam em mal estado
os dentes de Gogol? E os de Baudelaire?
Certa noite, oh, anos
atrás, Jack Kerouac
Tencionou enfiar um
toco de vela lá dentro;
Queríamos vê-lo
brilhar, mas só as fendas
Ao longo da mandíbula
deixariam passar alguma luz.
“Este peão ingrato
não tem alma”, afirmou Jack.
No dia seguinte, no
desjejum, creio que jurou tratar-se de Poe.
Há pouca profundidade
nesse estratagema pouco convincente
Para equilibrar a
visão mais sombria das coisas;
Como questionar
quanto tempo demora a decomposição da alma,
Digamos: o próprio
Jack já teria se despojado dos ossos?
Ah, Cristo, confiemos
em que a vida intervirá de fato –
E haverá de toldar
até mesmo os chistes que nos mantêm sãos.
Referência:
MARKSON, David. Skull.
In: __________. Collected poems. 1st ed. Normal, IL: Dalkey Archive
Press, 1993. p. 15.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário