Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

W. H. Auden - Os Epígonos

Eis aqui uma visão mordaz, ao mesmo tempo irônica e cínica, do poeta inglês em relação à sua época, no seio de uma sociedade na qual, a seu ver, perderam-se as referências espirituais e culturais, substituídas que foram pelo reino do utilitário e pela falta de profundidade, ainda que Auden reconheça haver alguma resiliência da tradição e certa capacidade da arte em transcender os reveses do tempo.

 

O título “Os Epígonos”, obviamente, associa-se em direto aos filhos dos heróis gregos mortos na Guerra dos Sete, contra Tebas, aos quais se comparam os herdeiros da atual geração, rebentos de um passado glorioso, mas incapazes de igualá-lo. No contexto do poema, trata-se de uma geração menos distinta de poetas que, como os vates da Antiguidade, puseram-se à obra numa época em que a sociedade britânica já apresentava sinais evidentes de exaustão.

 

Pejado de alusões mitológicas e literárias, os versos carregam na censura à superficialidade dos pósteros, que preferem “eventuais grunhidos oraculares” à sabedoria tradicional, ao tempo que incorrem em experimentos linguísticos superficiais, carentes de significados perduráveis: no âmbito particular do experimento poético, este se teria reduzido a “ridículos artifícios mecânicos”, como epanalepses, métricas ropálicas ou versos anacíclicos (v. nota ao final da postagem).

 

Com o seu imparável belicismo, os seus tiranos burocráticos, a sua pragmática a levar de roldão quaisquer ponderações de ordem ética e, como já mencionado, a sua arte e poesia superficiais, o contemporâneo rendeu-se ao mais licencioso secularismo. Mas receio não termos visto tudo: aguardemos as cenas dos próximos capítulos!

 

J.A.R. – H.C.

 

W. H. Auden

(1907-1973)

 

The Epigoni

 

No use invoking Apollo in a case like theirs;

The pleasure-loving gods had died in their chairs

And would not get up again, one of them, ever,

Though guttural tribes had crossed the Great River,

Roasting their dead and with no name for the yew;

No good expecting long-legged ancestors to

Return with long swords from pelagic paradises

(They would be left to their own devices,

Supposing they had some); no point pretending

One didn’t foresee the probable ending

As dog-food, or landless, submerged, a slave;

Meanwhile, how should a cultured gentleman behave?

 

It would have been an excusable failing

Had they broken out into womanish wailing

Or, dramatising their doom, held forth

In sonorous clap-trap about death;

To their credit, a reader will only perceive

That the language they loved was coming to grief,

Expiring in preposterous mechanical tricks,

Epanaleptics, rhopalics, anacyclic acrostics:

To their lasting honor the stuff they wrote

Can safely be spanked in a scholar’s foot-note,

Called shallow by a mechanised generation to whom

Haphazard oracular grunts are profound wisdom.

 

(1955)

 

A queda de Faetonte: a ira do céu

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Os Epígonos

 

Inútil invocar Apolo num caso como o deles;

Tinham morrido os deuses amantes dos prazeres

E nenhum se ergueria de novo em seu trono, jamais,

Embora o Grande Rio cruzassem tribos guturais,

Cremadoras de mortos e sem nome para o teixo;

Escusava esperar a volta de ancestrais andejos,

Com longas espadas, de pelágicos paraísos

(Teriam de ficar entregues ao seu próprio aviso,

Se algum tivessem); fora rematada tolice

Supor que o seu fim provável ninguém antevisse,

Como pasto de cães ou escravo submerso, indigente:

Que devia fazer um cavalheiro culto, entrementes?

 

Teria sido fraqueza digna de perdão

Caso houvessem rompido em feminil lamentação

Ou intentado, dramatizando a sua sorte,

Alguma parlapatice a respeito da morte;

Para crédito deles, o leitor só se apercebe

De que a língua que amavam estaria morta em breve,

Expirando em ardis mecânicos, ridículos,

Acrósticos epanalépticos, ropálicos, anacíclicos: (*)

Para a sua hora eterna, as coisas por eles escritas

Irão, ao pé da página, numa nota erudita

Para uma geração mecanizada desprezar

Que tem, por vero saber, o grunhido oracular.

 

(1955)

 

Nota:

 

(*). Aos termos empregados neste verso associam-se as seguintes definições:

– Epanalepse: recurso estilístico que consiste na repetição de uma palavra ou expressão no meio ou no fim de dois ou mais versos (ou frases) que se sucedem;

– Métrica ropálica: diz-se, na métrica greco-latina, de um verso formado por uma série de palavras, cada qual com uma sílaba a mais que a precedente; e

– Versos anacíclicos: versos que se podem ler da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita, sem alteração de sentido (o mesmo que versos palindrômicos).

 

Referência:

 

AUDEN, W. H. The epigoni / Os epígonos. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção de João Moura Jr. Tradução e introdução de José Paulo Paes e João Moura Jr. 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 158; em português: p. 159.

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