Eis aqui uma visão
mordaz, ao mesmo tempo irônica e cínica, do poeta inglês em relação à sua época,
no seio de uma sociedade na qual, a seu ver, perderam-se as referências
espirituais e culturais, substituídas que foram pelo reino do utilitário e pela
falta de profundidade, ainda que Auden reconheça haver alguma resiliência da
tradição e certa capacidade da arte em transcender os reveses do tempo.
O título “Os Epígonos”,
obviamente, associa-se em direto aos filhos dos heróis gregos mortos na Guerra
dos Sete, contra Tebas, aos quais se comparam os herdeiros da atual geração, rebentos
de um passado glorioso, mas incapazes de igualá-lo. No contexto do poema,
trata-se de uma geração menos distinta de poetas que, como os vates da
Antiguidade, puseram-se à obra numa época em que a sociedade britânica já apresentava
sinais evidentes de exaustão.
Pejado de alusões mitológicas
e literárias, os versos carregam na censura à superficialidade dos pósteros,
que preferem “eventuais grunhidos oraculares” à sabedoria tradicional, ao tempo
que incorrem em experimentos linguísticos superficiais, carentes de significados
perduráveis: no âmbito particular do experimento poético, este se teria
reduzido a “ridículos artifícios mecânicos”, como epanalepses, métricas ropálicas
ou versos anacíclicos (v. nota ao final da postagem).
Com o seu imparável
belicismo, os seus tiranos burocráticos, a sua pragmática a levar de roldão
quaisquer ponderações de ordem ética e, como já mencionado, a sua arte e poesia
superficiais, o contemporâneo rendeu-se ao mais licencioso secularismo. Mas receio
não termos visto tudo: aguardemos as cenas dos próximos capítulos!
J.A.R. – H.C.
W. H. Auden
(1907-1973)
The Epigoni
No use invoking
Apollo in a case like theirs;
The pleasure-loving
gods had died in their chairs
And would not get up
again, one of them, ever,
Though guttural
tribes had crossed the Great River,
Roasting their dead
and with no name for the yew;
No good expecting
long-legged ancestors to
Return with long swords
from pelagic paradises
(They would be left
to their own devices,
Supposing they had
some); no point pretending
One didn’t foresee
the probable ending
As dog-food, or
landless, submerged, a slave;
Meanwhile, how should
a cultured gentleman behave?
It would have been an
excusable failing
Had they broken out
into womanish wailing
Or, dramatising their
doom, held forth
In sonorous clap-trap
about death;
To their credit, a
reader will only perceive
That the language
they loved was coming to grief,
Expiring in
preposterous mechanical tricks,
Epanaleptics,
rhopalics, anacyclic acrostics:
To their lasting
honor the stuff they wrote
Can safely be spanked
in a scholar’s foot-note,
Called shallow by a
mechanised generation to whom
Haphazard oracular
grunts are profound wisdom.
(1955)
A queda de Faetonte:
a ira do céu
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
Os Epígonos
Inútil invocar Apolo
num caso como o deles;
Tinham morrido os
deuses amantes dos prazeres
E nenhum se ergueria
de novo em seu trono, jamais,
Embora o Grande Rio
cruzassem tribos guturais,
Cremadoras de mortos
e sem nome para o teixo;
Escusava esperar a
volta de ancestrais andejos,
Com longas espadas,
de pelágicos paraísos
(Teriam de ficar
entregues ao seu próprio aviso,
Se algum tivessem);
fora rematada tolice
Supor que o seu fim
provável ninguém antevisse,
Como pasto de cães ou
escravo submerso, indigente:
Que devia fazer um
cavalheiro culto, entrementes?
Teria sido fraqueza
digna de perdão
Caso houvessem
rompido em feminil lamentação
Ou intentado,
dramatizando a sua sorte,
Alguma parlapatice a
respeito da morte;
Para crédito deles, o
leitor só se apercebe
De que a língua que
amavam estaria morta em breve,
Expirando em ardis
mecânicos, ridículos,
Acrósticos epanalépticos,
ropálicos, anacíclicos: (*)
Para a sua hora
eterna, as coisas por eles escritas
Irão, ao pé da
página, numa nota erudita
Para uma geração
mecanizada desprezar
Que tem, por vero
saber, o grunhido oracular.
(1955)
Nota:
(*). Aos termos
empregados neste verso associam-se as seguintes definições:
– Epanalepse: recurso
estilístico que consiste na repetição de uma palavra ou expressão no meio ou no
fim de dois ou mais versos (ou frases) que se sucedem;
– Métrica ropálica: diz-se,
na métrica greco-latina, de um verso formado por uma série de palavras, cada
qual com uma sílaba a mais que a precedente; e
– Versos anacíclicos:
versos que se podem ler da direita para a esquerda ou da esquerda para a
direita, sem alteração de sentido (o mesmo que versos palindrômicos).
Referência:
AUDEN, W. H. The epigoni
/ Os epígonos. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas.
Seleção de João Moura Jr. Tradução e introdução de José Paulo Paes e João Moura
Jr. 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1986. Em inglês: p. 158; em
português: p. 159.
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