Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Charles Simic - Na Biblioteca

Sob a temática de um mundo que deu as costas ao angélico, ao divino e, por extensão, ao espiritual, o poeta recorre a uma biblioteca cheia de livros escurecidos e há muito não compulsados, para nos fazer ver o quanto as antigas deidades e seres celestiais foram relegados ao pó das estantes olvidadas, em recintos que agora se pautam pela quietude das coisas estáticas.

 

A ideia de que os segredos e os mistérios do transcendente ainda pulsam nas páginas desse vasto acervo, imerso no anonimato, tangibiliza-se pelos conjecturais “sussurros” que ele insiste em emitir, somente escutados pelos que ainda se devotam ao sublime – como a própria bibliotecária que faz ronda quotidiana por entre as estantes onde disposto.

 

J.A.R. – H.C.

 

Charles Simic

(1938-2023)

 

In the Libray

 

for Octavio

 

There’s a book called

“A Dictionary of Angels”.

No one has opened it in fifty years,

I know, because when I did,

The covers creaked, the pages

Crumbled. There I discovered

 

The angels were once as plentiful

As species of flies.

The sky at dusk

Used to be thick with them.

You had to wave both arms

Just to keep them away.

 

Now the sun is shining

Through the tall windows.

The library is a quiet place.

Angels and gods huddled

In dark unopened books.

The great secret lies

On some shelf Miss Jones

Passes every day on her rounds.

 

She’s very tall, so she keeps

Her head tipped as if listening.

The books are whispering.

I hear nothing, but she does.

 

In: “The Book of Gods and Devils” (1990)

 

Zeladora lendo numa biblioteca

(Edouard John Mentha: pintor suíço)

 

Na Biblioteca

 

Para Octavio

 

Há um livro intitulado

“Dicionário dos Anjos”.

Ninguém o abriu em cinquenta anos,

Estou certo, porque quando o fiz

Suas capas rangeram, as páginas

Desintegraram-se. Por seu teor, descobri

 

Que os anjos já foram tão abundantes

Quanto as espécies de moscas.

O céu ao anoitecer

Costumava ficar espesso com eles.

Era preciso agitar ambos os braços

Só para os manter afastados.

 

Agora o sol está a brilhar

Através das janelas mais altas.

A biblioteca é um lugar tranquilo.

Anjos e deuses amontoam-se

Em livros escuros e fechados.

O grande segredo acha-se

Em alguma estante frente à qual a Srta. Jones

Passa todos os dias em suas rondas.

 

Ela é bem alta, de modo que mantém

A cabeça inclinada como se à escuta.

Os livros estão a sussurrar.

Eu nada escuto, mas ela com certeza.

 

Em: “O Livro dos Deuses e dos Demônios” (1990)

 

Referência:

 

SIMIC, Charles. In the library. In: __________. New and selected poems: 1962-2012. Boston, MA; New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 2013. p. 147.

Nenhum comentário:

Postar um comentário