Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Sérgio Milliet - O mar outrora...

Entre nostalgias e mudanças de perspectiva que o levaram a dar prevalência a viver dias mais tranquilos, o poeta emprega a metáfora de sua relação com o mar, para referir-se à transformação em seu próprio comportamento, antes arrojado e aberto a experimentar quaisquer promessas de surpresas positivas, agora já mais pacato, a remoer alguns desconsolos e amarguras.

 

É natural que, com o passar dos anos, percamos parte de nosso entusiasmo e vitalidade, passando a optar muito mais pela “segurança do porto” do que pela incerteza de peripécias num “mar aberto”. Esse, decerto, é o estado de ânimo do falante, incapaz de reconciliar o seu passado de aventuras com o seu presente desencantado.

 

Como contraponto a esse vai e vem de emoções em quem já conta com muitas décadas nas costas, sempre evoco a força dos versos da composição “Vida”, do Chico Buarque, em especial, o elã da seguinte passagem: “Mais, quero mais / Nem que todos os barcos / Recolham ao cais / Que os faróis da costeira / Me lancem sinais / Arranca vida, estufa vela / Me leva, leva longe / Longe, leva mais”.

 

Aproveitando o ensejo, uma rápida digressão: indo de encontro à reiterada fala de um amigo trocista – “Morro e não vejo tudo!” –, somente espero partir depois de ter vivenciado tudo quanto um ser humano é capaz de experimentar neste “mundo, vasto mundo”! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Sérgio Milliet

(1898-1966)

 

O mar outrora...

 

O mar outrora era aventura

e seduzia-me a aventura.

Que me seduz agora?

 

Agora o mar é um desconsolo,

até outrora é um desconsolo

se penso nele agora.

 

Pra viver tudo era pretexto

outrora. Um riso era pretexto.

Qual o pretexto agora?

 

Por que se aquieta o coração

de quem viveu do coração?

Por que se aquieta agora?

 

Veleiro ancorado no porto

já teme o mar fora do porto.

Quer descansar agora...

 

Outrora o mar era aventura,

por que tanta amargura agora?

 

Entre veleiros em um porto

(William R. Stone: pintor inglês)

 

Referência:

 

MILLIET, Sérgio. O mar outrora... In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 81.

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