Entre nostalgias e
mudanças de perspectiva que o levaram a dar prevalência a viver dias mais
tranquilos, o poeta emprega a metáfora de sua relação com o mar, para referir-se
à transformação em seu próprio comportamento, antes arrojado e aberto a experimentar
quaisquer promessas de surpresas positivas, agora já mais pacato, a remoer alguns
desconsolos e amarguras.
É natural que, com o
passar dos anos, percamos parte de nosso entusiasmo e vitalidade, passando a optar
muito mais pela “segurança do porto” do que pela incerteza de peripécias num “mar
aberto”. Esse, decerto, é o estado de ânimo do falante, incapaz de reconciliar
o seu passado de aventuras com o seu presente desencantado.
Como contraponto a
esse vai e vem de emoções em quem já conta com muitas décadas nas costas,
sempre evoco a força dos versos da composição “Vida”, do Chico Buarque,
em especial, o elã da seguinte passagem: “Mais, quero mais / Nem que todos os
barcos / Recolham ao cais / Que os faróis da costeira / Me lancem sinais / Arranca
vida, estufa vela / Me leva, leva longe / Longe, leva mais”.
Aproveitando o
ensejo, uma rápida digressão: indo de encontro à reiterada fala de um amigo
trocista – “Morro e não vejo tudo!” –, somente espero partir depois de ter vivenciado
tudo quanto um ser humano é capaz de experimentar neste “mundo, vasto mundo”! (rs)
J.A.R. – H.C.
Sérgio Milliet
(1898-1966)
O mar outrora...
O mar outrora era
aventura
e seduzia-me a
aventura.
Que me seduz agora?
Agora o mar é um
desconsolo,
até outrora é um desconsolo
se penso nele agora.
Pra viver tudo era
pretexto
outrora. Um riso era
pretexto.
Qual o pretexto
agora?
Por que se aquieta o
coração
de quem viveu do
coração?
Por que se aquieta
agora?
Veleiro ancorado no
porto
já teme o mar fora do
porto.
Quer descansar agora...
Outrora o mar era
aventura,
por que tanta
amargura agora?
Entre veleiros em um
porto
(William R. Stone: pintor
inglês)
Referência:
MILLIET, Sérgio. O mar outrora... In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 81.
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