Esta é uma homenagem póstuma
a Che Guevara – vulto emblemático da Revolução Cubana –, logo depois que o
poeta uruguaio tomou conhecimento de sua morte na Bolívia, em 9.10.1967, a
refletir a comoção e a raiva que então sentiu pela execução do médico argentino,
figura histórica pela qual certamente nutria alguma admiração, pois que, como
ele próprio, compromissado na luta contra a injustiça social e a opressão, em
especial, em terras da América Latina.
A elegia segue a sua
missão de ser um recordatório de que as desigualdades injustas devem ser
combatidas, de que a parelha “justiça x igualdade” não pode render-se a um
estatuto de mera formalidade legal, senão que há de pautar a ação no âmbito da realidade
concreta, para assim honrar a memória de todos quantos se propuseram a colocar
a dignidade da pessoa humana em primeiro plano.
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Consternados,
rabiosos
Vámonos,
derrotando afrentas.
Así estamos
consternados
rabiosos
aunque esta muerte
sea
uno de los absurdos
previsibles
da vergüenza mirar
los cuadros
los sillones
las alfombras
sacar una botella del
refrigerador
teclear las tres
letras mundiales de tu nombre
en la rígida máquina
que nunca
nunca estuvo
con la cinta tan
pálida
vergüenza tener frío
y arrimarse a la
estufa como siempre
tener hambre y comer
esa cosa tan simple
abrir el tocadiscos y
escuchar en silencio
sobre todo si es un
cuarteto de Mozart
da vergüenza el
confort
y el asma da
vergüenza
cuando tú comandante
estás cayendo
ametrallado
fabuloso
nítido
eres nuestra
conciencia acribillada
dicen que te quemaron
con qué fuego
van a quemar las
buenas
las buenas nuevas
la irascible ternura
que trajiste y
llevaste
con tu tos
con tu barro
dicen que incineraron
toda tu vocación
menos un dedo
basta para mostrarnos
el camino
para acusar al
monstruo y sus tizones
para apretar de nuevo
los gatillos
así estamos
consternados
rabiosos
claro que con el
tiempo la plomiza
consternación
se nos irá pasando
la rabia quedará
se hará mas limpia
estás muerto
estás vivo
estás cayendo
estás nube
estás lluvia
estás estrella
donde estés
si es que estás
si estás llegando
aprovecha por fin
a respirar tranquilo
a llenarte de cielo
los pulmones
donde estés
si es que estás
si estás llegando
será una pena que no
exista Dios
pero habrá otros
claro que habrá otros
dignos de recibirte
comandante.
Montevideo, octubre
de 1967.
Estampa de Che
Guevara
(1928-1967)
Consternados,
raivosos
Vamos em frente,
derrotando afrontas.
Ernesto “Che” Guevara
Assim estamos
consternados
raivosos
ainda que esta morte
seja
um dos absurdos
previsíveis
dá vergonha olhar
os quadros
as poltronas
os tapetes
tirar uma garrafa do
refrigerador
teclar as três letras
mundiais de teu nome
na rígida máquina
que nunca
nunca esteve
com a fita tão pálida
vergonha ter frio
e aconchegar-se à
lareira como sempre
ter fome e comer
essa coisa tão
simples
abrir o toca-discos e
escutar em silêncio
sobretudo se é um quarteto
de Mozart
dá vergonha o
conforto
e a asma dá vergonha
quando tu comandante
está caindo
metralhado
fabuloso
nítido
és nossa consciência massacrada
dizem que te
queimaram
com que fogo
vão queimar as boas
as boas novas
a irascível ternura
que trouxeste e
carregaste
com tua tosse
com teu barro
dizem que incineraram
toda tua vocação
menos um dedo
basta ele para
mostrar-nos o caminho
para acusar o monstro
e seus tições
para apertar de novo
os gatilhos
assim estamos
consternados
raivosos
claro que com o tempo
a soturna
consternação
se nos irá passando
a raiva subsistirá
se tornará mais limpa
estás morto
estás vivo
estás caindo
estás nuvem
estás chuva
estás estrela
onde quer que estejas
se é que estás
se estás chegando
será uma pena que Deus
não exista
aproveita por fim
para respirar
tranquilo
para encher de céu os
teus pulmões
mas haverá outros
claro que haverá
outros
dignos de receber-te
comandante.
Montevidéu, outubro
de 1967.
Referência:
BENEDETTI, Mario. Consternados, rabiosos. In: __________. Antología poética. Introducción de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed., 8. reimp. Madrid, ES: Alianza Editorial, 2017. p. 116-119. (‘El libro de bolsillo’)
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