Da pena de uma
poetisa sobre quem há poucas referências na grande rede – a não ser que era
norte-americana de ascendência judaica e que nasceu, muito provavelmente, no
limiar dos anos 40 do século passado –, o infratranscrito poema revela um
profundo conflito interno da falante entre o seu amor pela música, em confronto
com a fé religiosa tradicional de seu povo.
É que a jovem mulher encontra
uma conexão mais autêntica, emocional ou espiritualmente falando, na beleza dos
sons de uma cantata – como a de nº 51 de Bach –, do que nas orações e rituais
ortodoxos do judaísmo, direcionados à divindade a quem se deve render culto nas
sinagogas.
Afinal, quer se as
tomem ou não como uma “heresia” à margem de dogmas hieráticos estabelecidos, o
fato é que, por revelarem formas refinadas de expressão criativa, a música – e as
outras artes, por extensão – têm o poder de nos trasladar a uma visão mais
aberta e inspirada da realidade, muitas vezes tornando fluidas, v.g., as
barreiras entre o sagrado e o profano.
J.A.R. – H.C.
Mulher em oração no
Schabat
(Alex Levin: artista
ucrano-israelense)
(While listening to Bach’s Cantata nº 51)
Unfit for worship, still I learned each prayer,
And hoping that the rabbi couldn’t tell
It was the music which I loved so well,
And not his God, and not his patent stare
Which broke the spell, I shook hands in despair
And fled the synagogue, an infidel
Who craved only a song, who feared no hell
But speech or silence, sanctity left bare.
My heresy full-grown, I often now
Stand waif-like while the congregation prays;
Idolater of sound, I must profane
The joy in God each offering displays,
And yet alone on Friday night I bow
To something even Bach could not explain.
Hachnasat Sefer Torah
(Chana H. Rosenberg:
artista anglo-israelense)
Cantata da Noite do
Schabat
(Enquanto escutava a Cantata
nº 51 de Bach)
Incapaz de rezar, ainda
todas as preces aprendi
e esperando que nunca
o rabi percebesse
que era da música que
eu tanto assim gostava
e não do Deus dele
nem do seu olhar fixo
que desfazia o
encantamento
e em desespero eu
apertava mãos
e abandonava a
sinagoga, infiel
a ansiar apenas por
um canto, sem temer inferno
mas prédica ou
silêncio, santidade a nu.
Minha heresia em
plenitude, com frequência agora
sinto-me qual uma
enjeitada enquanto reza a congregação;
adoradora de sons, eu
devo estar profanando
aquela alegria em Deus
que cada oferenda estende,
e entanto sexta-feira
à noite eu, só, me inclino
a algo que nem Bach
poderia explicar.
Referências:
Em Inglês
VICTOR, Florence.
Friday night cantata. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 fev.
2025.
Em Português
VICTOR, Florence. Cantata
da noite de schabat. Tradução de Ester Feldman e Geir Campos. In: GUINSBURG, Jacob;
TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de
Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 248. (Coleção
“Judaica”; v. 12)
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