Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Florence Victor - Cantata da Noite de Schabat

Da pena de uma poetisa sobre quem há poucas referências na grande rede – a não ser que era norte-americana de ascendência judaica e que nasceu, muito provavelmente, no limiar dos anos 40 do século passado –, o infratranscrito poema revela um profundo conflito interno da falante entre o seu amor pela música, em confronto com a fé religiosa tradicional de seu povo.

 

É que a jovem mulher encontra uma conexão mais autêntica, emocional ou espiritualmente falando, na beleza dos sons de uma cantata – como a de nº 51 de Bach –, do que nas orações e rituais ortodoxos do judaísmo, direcionados à divindade a quem se deve render culto nas sinagogas.

 

Afinal, quer se as tomem ou não como uma “heresia” à margem de dogmas hieráticos estabelecidos, o fato é que, por revelarem formas refinadas de expressão criativa, a música – e as outras artes, por extensão – têm o poder de nos trasladar a uma visão mais aberta e inspirada da realidade, muitas vezes tornando fluidas, v.g., as barreiras entre o sagrado e o profano.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mulher em oração no Schabat

(Alex Levin: artista ucrano-israelense)

 

Friday Night Cantata

 

(While listening to Bach’s Cantata nº 51)

 

Unfit for worship, still I learned each prayer,

And hoping that the rabbi couldn’t tell

It was the music which I loved so well,

And not his God, and not his patent stare

Which broke the spell, I shook hands in despair

And fled the synagogue, an infidel

Who craved only a song, who feared no hell

But speech or silence, sanctity left bare.

 

My heresy full-grown, I often now

Stand waif-like while the congregation prays;

Idolater of sound, I must profane

The joy in God each offering displays,

And yet alone on Friday night I bow

To something even Bach could not explain.

 

Hachnasat Sefer Torah

(Chana H. Rosenberg: artista anglo-israelense)

 

Cantata da Noite do Schabat

 

(Enquanto escutava a Cantata nº 51 de Bach)

 

Incapaz de rezar, ainda todas as preces aprendi

e esperando que nunca o rabi percebesse

que era da música que eu tanto assim gostava

e não do Deus dele nem do seu olhar fixo

que desfazia o encantamento

e em desespero eu apertava mãos

e abandonava a sinagoga, infiel

a ansiar apenas por um canto, sem temer inferno

mas prédica ou silêncio, santidade a nu.

 

Minha heresia em plenitude, com frequência agora

sinto-me qual uma enjeitada enquanto reza a congregação;

adoradora de sons, eu devo estar profanando

aquela alegria em Deus que cada oferenda estende,

e entanto sexta-feira à noite eu, só, me inclino

a algo que nem Bach poderia explicar.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

VICTOR, Florence. Friday night cantata. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 fev. 2025.

 

Em Português

 

VICTOR, Florence. Cantata da noite de schabat. Tradução de Ester Feldman e Geir Campos. In: GUINSBURG, Jacob; TAVARES, Zulmira Ribeiro (Orgs.). Quatro mil anos de poesia. Desenhos de Paulina Rabinovich. São Paulo, SP: Perspectiva, 1969. p. 248. (Coleção “Judaica”; v. 12)

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