O poeta debruça-se
sobre o próprio ato de criação, ou melhor, sobre a capacidade de dar vida às
palavras, transformando, por meio de suas faculdades imaginativas, um espaço monotônico
e vazio, assolado pela aridez topográfica, em algo mais fecundo e dinâmico, pleno
de vitalidade e de significados.
Mapear o mundo
através da escrita é a missão desse “cartógrafo”, não um mero observador, senão
uma espécie de demiurgo, com plenos poderes alquímicos para transformar terrenos
infecundos, de “recifes desertos”, em obras de arte singularizadas por suas
próprias formas e texturas, locus metabólico onde a vida prorrompe em feições inauditas.
J.A.R. – H.C.
Carlos de Oliveira
(1921-1981)
Mapa
I
O poeta
[o cartógrafo?]
observa
as suas
ilhas caligráficas
cercadas
por um mar
sem marés,
arquipélago
a que falta
vento,
fauna, flora,
e o hálito húmido
da espuma,
II
pensando
que
talvez alguma
ave errante
traga
à solidão
do mapa,
aos recifes desertos,
um frêmito,
um voo,
se for possível
voar
sobre tanta
aridez.
Em: “Micropaisagem”
(1968)
Paisagem de estuário com peixes e duna
(Jan van Kessel, o
Velho: pintor flamengo)
Referência:
OLIVEIRA, Carlos de.
Mapa. In: __________. Trabalho poético. Segundo volume. Lisboa, PT: Sá
da Costa, 1976. p. 95-96.
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