Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Alastair Reid - A uma Criança ao Piano

A um infante, o instrutor sugere que tenha uma conexão mais profunda com a música que toca, distanciando-se um tanto da mera técnica ou de estruturas formais pré-definidas, para aproximar-se paulatinamente de sua essência, pureza e magia, e, dessa forma, submergir numa experiência de entrega total à expressão artística, mediante a prevalência do sensorial e do emocional.

 

Liberar-se de todo pensamento e envolver-se completamente com a música, identificando-se com ela de uma maneira quase mística, tal que se a possa converter numa extensão privativa do ser – o ritmo como uma batida do coração e a melodia como tradução do que se depreende do rosto: tais instruções, numa mirada mais abrangente, quase se assemelha a uma filosofia de vida!

 

Digo melhor: preconiza-se que deixemos de lado as superficialidades, conectando-nos à essência das coisas, quer através da música, quer mais amplamente por meio da arte, quer ainda por outra paixão, guiando-nos a um estado de “fluxo” no qual a consciência desaparece e só remanesce a pura conexão com a criatividade, tornando-nos assim melhores intérpretes de nossas próprias vidas.

 

J.A.R. – H.C.

 

Alastair Reid

(1926-2014)

 

To a Child at the Piano

 

Play the tune again: but this time

with more regard for the movement at the source of it

and less attention to time. Time falls

curiously in the course of it.

 

Play the tune again: not watching

your fingering, but forgetting, letting flow

the sound till it surrounds you. Do not count

or even think. Let go.

 

Play the tune again: but try to be

nobody, nothing, as though the pace

of the sound were your heart beating, as though

the music were your face.

 

Play the tune again. It should be easier

to think less every time of the notes, of the measure.

It is all an arrangement of silence. Be silent, and then

play it for your pleasure.

 

Play the tune again; and this time, when it ends,

do not ask me what I think. Feel what is happening

strangely in the room as the sound glooms over

you, me, everything.

 

Now,

play the tune again.

 

O pianista

(Mark Lancelot Symons: pintor inglês)

 

A uma Criança ao Piano

 

Toca outra vez; mas agora

com mais respeito pelo movimento na origem dele,

e menos atenção ao tempo. O tempo está

curiosamente no decurso dele.

 

Toca outra vez; não olhando

para o dedilhar, mas esquecendo, e deixando que flua

o som até que te rodeie. Não contes

ou sequer penses. Deixa ir.

 

Toca outra vez; mas tenta que não sejas

ninguém, nada, como se o andamento

do som apenas fosse o coração que bate, como se

a música fosse o teu rosto.

 

Toca outra vez. Seria bem melhor

pensar menos e menos nas notas, no compasso.

É tudo uma estrutura de silêncio. Sê silente, e então

toca para teu prazer.

 

Toca outra vez; e, desta, ao acabares,

não me perguntes o que eu penso. Sente o que acontece

estranhamente na sala enquanto o som fica suspenso

em ti, em mim, em tudo.

 

Agora,

toca outra vez.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

REID, Alastair. To a child at the piano. The Guinness book of poetry, London (EN), The Putnam Press, vol. V, p. 62, 1962.

 

Em Português

 

REID, Alastair. A uma criança ao piano. Tradução de Jorge de Sena. In: SENA, Jorge de (Antologia, tradução, prefácio e notas). Poesia do século XX: de Thomas Hardy a C. V. Cattaneo. Porto, PT: Editorial Inova, jul. 1978. p. 479. (Coleção ‘As mãos e os frutos”; v. 14)

 

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