A um infante, o instrutor
sugere que tenha uma conexão mais profunda com a música que toca,
distanciando-se um tanto da mera técnica ou de estruturas formais pré-definidas,
para aproximar-se paulatinamente de sua essência, pureza e magia, e, dessa forma,
submergir numa experiência de entrega total à expressão artística, mediante a
prevalência do sensorial e do emocional.
Liberar-se de todo
pensamento e envolver-se completamente com a música, identificando-se com ela
de uma maneira quase mística, tal que se a possa converter numa extensão privativa
do ser – o ritmo como uma batida do coração e a melodia como tradução do que se
depreende do rosto: tais instruções, numa mirada mais abrangente, quase se
assemelha a uma filosofia de vida!
Digo melhor:
preconiza-se que deixemos de lado as superficialidades, conectando-nos à
essência das coisas, quer através da música, quer mais amplamente por meio da
arte, quer ainda por outra paixão, guiando-nos a um estado de “fluxo” no qual a
consciência desaparece e só remanesce a pura conexão com a criatividade,
tornando-nos assim melhores intérpretes de nossas próprias vidas.
J.A.R. – H.C.
Alastair Reid
(1926-2014)
To a Child at the
Piano
Play the tune again:
but this time
with more regard for
the movement at the source of it
and less attention to
time. Time falls
curiously in the
course of it.
Play the tune again:
not watching
your fingering, but
forgetting, letting flow
the sound till it
surrounds you. Do not count
or even think. Let
go.
Play the tune again:
but try to be
nobody, nothing, as
though the pace
of the sound were
your heart beating, as though
the music were your
face.
Play the tune again.
It should be easier
to think less every
time of the notes, of the measure.
It is all an
arrangement of silence. Be silent, and then
play it for your
pleasure.
Play the tune again;
and this time, when it ends,
do not ask me what I
think. Feel what is happening
strangely in the room
as the sound glooms over
you, me, everything.
Now,
play the tune again.
O pianista
(Mark Lancelot Symons:
pintor inglês)
A uma Criança ao
Piano
Toca outra vez; mas
agora
com mais respeito
pelo movimento na origem dele,
e menos atenção ao
tempo. O tempo está
curiosamente no
decurso dele.
Toca outra vez; não
olhando
para o dedilhar, mas
esquecendo, e deixando que flua
o som até que te
rodeie. Não contes
ou sequer penses.
Deixa ir.
Toca outra vez; mas
tenta que não sejas
ninguém, nada, como
se o andamento
do som apenas fosse o
coração que bate, como se
a música fosse o teu
rosto.
Toca outra vez. Seria
bem melhor
pensar menos e menos
nas notas, no compasso.
É tudo uma estrutura
de silêncio. Sê silente, e então
toca para teu prazer.
Toca outra vez; e,
desta, ao acabares,
não me perguntes o
que eu penso. Sente o que acontece
estranhamente na sala
enquanto o som fica suspenso
em ti, em mim, em
tudo.
Agora,
toca outra vez.
Referências:
Em Inglês
REID, Alastair. To a child
at the piano. The Guinness book of poetry, London (EN), The Putnam
Press, vol. V, p. 62, 1962.
Em Português
REID, Alastair. A uma criança ao piano. Tradução de Jorge de Sena. In: SENA, Jorge de (Antologia, tradução, prefácio e notas). Poesia do século XX: de Thomas Hardy a C. V. Cattaneo. Porto, PT: Editorial Inova, jul. 1978. p. 479. (Coleção ‘As mãos e os frutos”; v. 14)
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