Distanciando-se das
definições simplistas e estigmatizantes, a poetisa nos leva a uma reflexão nada
convencional sobre a natureza da loucura, essa “órbita” vastíssima – sem fronteiras
precisas e inserta num universo em constante movimento –, pejada de “constelações
superiores” e “ilimitadas águas”.
Arrisquemo-nos a
interpretar as palavras da autora: em sua potencial riqueza, a loucura pode açambarcar
– quem sabe? – formas insuspeitadas de conhecimento e experiência, de inventividade
e cura, quando não de expressão para infinitos significados, ou até mesmo de representação
para um itinerário permeado por ideias de transmutação e de redenção.
Seja como for, Dal
Farra não minimiza o fato de que a loucura quase sempre se aproxima de um
perigo iminente de abismo, pois que terreno instável e inseguro, cujos campos
de força atraem-nos pelos nossos flancos mais vulneráveis.
Em tempo: este poema
pertence à seção intitulada “Anne Sexton” na obra em referência, podendo
sugerir, por conseguinte, que a autora teria se inspirado, para redigi-lo, pelo
estado psicológico em que envolta a poetisa norte-americana – e que, ao fim e ao
cabo, precipitou-lhe o fim da vida.
J.A.R. – H.C.
Maria Lúcia Dal Farra
(n. 1944)
Loucura
A órbita da loucura é
imensa.
Aviso às incautas
criaturas
tanto quanto
aos navegantes sem
rumo.
Nela se movem constelações
superiores
ilimitadas águas
e as mãos com que
Deus nos acena
(segundo a segundo)
com a sua graça.
Consolos prontos a
redimir o mundo
palavras ausentes de
escrita
ali se asilam
e mais
o risco do iminente
abissal.
É tão amplo o rosto
da loucura
que podem caber nele
quaisquer
das nossas muitas
faces
– inclusive esta com
que agora me empenho
em apreendê-lo.
Homem enlouquecido
pelo medo
(Gustave Courbet:
pintor francês)
Referência:
DAL FARRA, Maria
Lúcia. Loucura. In: __________. Alumbramentos. 1. ed. São Paulo, SP:
Iluminuras, 2011. p. 36.
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