Nejar explora
poeticamente o tema do desejo, do prazer, da sensualidade e, por extensão, da
própria propagação da vida e enfrentamento à sombra da mortalidade, através da
metáfora da maçã, símbolo tradicionalmente associado à tentação e à queda, na
narrativa bíblica do Jardim do Éden.
A fruta surge em cada
vívida imagem que se vincula ao corpo da amada – voz, pernas, o sexo, seios,
pés, mãos –, destarte uma autêntica alegoria de sedução, de paixão e de vitalidade,
integrando-se, por vezes colacionando-se, à paisagem natural ao redor,
convertida num paraíso terrenal, em suas reiteradas sazões.
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(n. 1939)
Não quero esta maçã branca,
quero a outra que me dás.
Não quero a maçã da sombra
que apenas na sombra jaz.
A intemporã, colhida
com orvalho em cima da paz,
A perto das madressilvas,
e de tão apetecida
é cada vez mais veraz.
A maçã de cotovia
da tua fala, a maçã
das pernas mansas e esguias
e a do sexo, talismã
de outra maçã sombria
no paraíso do chão.
Quando, amada, te avezinhas,
todo o teu corpo é maçã,
Os seios, maçãs cativas,
e os pés selvagens, as mãos
que alongas, a casca fina
das celestes estações.
E quando a maçã se inclina,
o inverno se faz verão.
E se adormeces, menina,
o sono é maçã. Depois
pelo caroço do tempo
a morte se recompôs,
mas não há morte junto ao pelo
de maçãs. Nunca mais veio
a morte quando te amo,
se em morte me precavenho (*)
de maçãs pelos teus ramos.
A maçã do amor
(Antonio Maggi: artista
italiano)
Nota:
(*). “Precavenho”,
tal como consta na obra em referência, apesar de a forma, de fato, não existir
para esse verbo defectivo.
Referência:
NEJAR, Carlos. Gazel
do teu paraíso. In: __________. A idade da aurora: poesia II. São Paulo,
SP: Ateliê Editorial, Rio de Janeiro, RJ: Biblioteca Nacional, 2002. p.
216-217.
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