Centrando-se no tema da
fugacidade do tempo, Borges se pergunta o que teria restado dos grandes eventos
do passado, das guerras, das conquistas, dos sonhos de antigas civilizações, das
muralhas e dos monumentos que erigiram, até mesmo de tudo quanto, no afã de
apreensão por parte do espírito humano, se aglutina à volta das ideologias e
religiões que atravessam a História, tantas vezes penhoradas pelo embate divisionista
do bem contra o mal.
Sob a sua ótica, o
tempo se erige através da memória, essa soma imperfeita de nossas percepções do
passado, tão enganosa quanto mais que somente costumamos evocá-la no presente em
relação aos atos e fatos matizados por critérios de interesse e vontade, raramente
de fidedignidade ao ocorrido – mesmo porque também o registro do que capturamos
à realidade, por intermédio dos sentidos, sujeita-se, induvidosamente, ao
influxo de vieses que acabam por se fixar nos escaninhos da mente.
A sucessão dos anos
se mostra, dessa forma, como um cenário vazio, e nossa identidade de “hoje” não
é a mesma que a de ontem, restando-nos, por conseguinte, viver no presente,
esse único momento sob o nosso controle – efêmero e eterno a um só tempo –, sem
desperdiçá-lo em frívolos sonhos e arrependimentos.
J.A.R. – H.C.
Jorge Luis Borges
(1899-1986)
El instante
¿Dónde estarán los
siglos, dónde el sueño
de espadas que los
tártaros soñaron,
dónde los fuertes
muros que allanaron,
dónde el Árbol de
Adán y el otro Leño?
El presente está
solo. La memoria
erige el tiempo.
Sucesión y engaño
es la rutina del
reloj. El año
no es menos vano que
la vana historia.
Entre el alba y la
noche hay un abismo
de agonías, de luces,
de cuidados;
el rostro que se mira
en los gastados
espejos de la noche
no es el mismo.
El hoy fugaz es tenue
y es eterno;
otro Cielo no
esperes, ni otro Infierno.
En: “El otro, el
mismo” (1964)
O juízo final
(John Martin: pintor
inglês)
O instante
Onde estarão os
séculos, o sonho
de espadas pelos
tártaros sonhado,
onde as fortes
muralhas derrubadas,
onde a Árvore de Adão
e o outro Lenho?
O presente está só. É
a memória
que erige o tempo.
Sequência e engano,
essa é a rotina do relógio.
O ano
é tão vazio quanto a
vazia história.
Entre a aurora e a
noite há um abismo
de agonias, de luzes,
de cuidados;
o rosto que se
observa nos usados
espelhos da noite já
não é o mesmo.
O hoje fugaz é tênue
e é eterno;
não haverá outro Céu
nem outro Inferno.
Em: “O outro, o
mesmo” (1964)
Referência:
BORGES, Jorge Luis. El instante / O instante. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia pessoal. 1 ed. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 310; em português: p. 46.
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