Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Jorge Luis Borges - O instante

Centrando-se no tema da fugacidade do tempo, Borges se pergunta o que teria restado dos grandes eventos do passado, das guerras, das conquistas, dos sonhos de antigas civilizações, das muralhas e dos monumentos que erigiram, até mesmo de tudo quanto, no afã de apreensão por parte do espírito humano, se aglutina à volta das ideologias e religiões que atravessam a História, tantas vezes penhoradas pelo embate divisionista do bem contra o mal.

 

Sob a sua ótica, o tempo se erige através da memória, essa soma imperfeita de nossas percepções do passado, tão enganosa quanto mais que somente costumamos evocá-la no presente em relação aos atos e fatos matizados por critérios de interesse e vontade, raramente de fidedignidade ao ocorrido – mesmo porque também o registro do que capturamos à realidade, por intermédio dos sentidos, sujeita-se, induvidosamente, ao influxo de vieses que acabam por se fixar nos escaninhos da mente.

 

A sucessão dos anos se mostra, dessa forma, como um cenário vazio, e nossa identidade de “hoje” não é a mesma que a de ontem, restando-nos, por conseguinte, viver no presente, esse único momento sob o nosso controle – efêmero e eterno a um só tempo –, sem desperdiçá-lo em frívolos sonhos e arrependimentos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

El instante

 

¿Dónde estarán los siglos, dónde el sueño

de espadas que los tártaros soñaron,

dónde los fuertes muros que allanaron,

dónde el Árbol de Adán y el otro Leño?

 

El presente está solo. La memoria

erige el tiempo. Sucesión y engaño

es la rutina del reloj. El año

no es menos vano que la vana historia.

 

Entre el alba y la noche hay un abismo

de agonías, de luces, de cuidados;

el rostro que se mira en los gastados

 

espejos de la noche no es el mismo.

El hoy fugaz es tenue y es eterno;

otro Cielo no esperes, ni otro Infierno.

 

En: “El otro, el mismo” (1964)

 

O juízo final

(John Martin: pintor inglês)

 

O instante

 

Onde estarão os séculos, o sonho

de espadas pelos tártaros sonhado,

onde as fortes muralhas derrubadas,

onde a Árvore de Adão e o outro Lenho?

 

O presente está só. É a memória

que erige o tempo. Sequência e engano,

essa é a rotina do relógio. O ano

é tão vazio quanto a vazia história.

 

Entre a aurora e a noite há um abismo

de agonias, de luzes, de cuidados;

o rosto que se observa nos usados

 

espelhos da noite já não é o mesmo.

O hoje fugaz é tênue e é eterno;

não haverá outro Céu nem outro Inferno.

 

Em: “O outro, o mesmo” (1964)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. El instante / O instante. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia pessoal. 1 ed. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 310; em português: p. 46.

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