Muitas das vezes
sonhamos em partir, à procura de um lugar que nos satisfaça a imaginação, como
se fora um paraíso sobre a terra, quando, de fato, o que nos falta, é um olhar
mais atilado sobre tudo o que, no aqui e agora, se encontra ao nosso redor –
tanta beleza e perfeição a não desmerecer o sítio topográfico presente, em
detrimento de um idealizado alhures.
Não se defende,
obviamente, que viagens perscrutadoras ou de turismo ao redor do mundo sejam
desnecessárias, mesmo porque, eventualmente, tais excursões têm o potencial de nos
tornar cientes de que nem sempre estamos “no melhor dos mundos possíveis”, e algumas
mudanças bem poderiam ser adotadas em nosso torrão, para nos trazer um nível
mais imediato de bem-estar.
Dialogando um pouco
com as linhas do poema, percebe-se com clareza a sugestão do autor de que
viagens, para além de implicarem movimento físico, são capazes de ensejar um
desapego emocional e mental em relação ao lugar de origem, desequilibrando a
balança de valoração das coisas em desfavor ao que já se tem.
Ademais, a
perspectiva de mudança não se associa necessariamente ao movimento das pessoas,
senão aos cambiantes caminhos, ou nas palavras do poeta, “tudo corre e voa pelo
mundo para estar quieto”. Trata-se, obviamente, de uma transmutação no modo de
se contemplar o entorno, a qual se parece, em alguma medida, à expendida neste
poema de Alberto Caeiro, em “O Guardador de Rebanhos”:
XL
Passa uma borboleta
por diante de mim
E pela primeira vez
no Universo eu reparo
Que as borboletas não
têm cor nem movimento,
Assim como as flores
não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor
nas asas da borboleta,
No movimento da
borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem
perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas
borboleta
E a flor é apenas flor.
Em suma: mude também
a sua forma de perceber as coisas e algo certamente se alterará em você, mesmo
que não tenha dado um passo físico em direção a outra paragem. Ou será mesmo
que o jardim do vizinho, de fato, é sempre mais florido do que o seu?!
J.A.R. – H.C.
Julio J. Casal
(1889-1954)
No to has de ir. La
tierra
está demasiado
bien hecha.
Aprendes de memoria
las palabras
de los viajes
y no sabes que para
partir
hay que olvidarlo
todo.
Miras trenes, y
barcos, y palomas.
Ignoras que ellos
corren
y vuelan por el mundo
para estar quietos.
Es el mundo que anda.
No es el barco, es el
mar
que se mueve. No
pasan los viajeiros,
es el camino.
No vuela la paloma,
es sólo el aire.
No te has de ir. La
tierra
está demasiado
bien hecha.
Não precisas ir
(Mary Larsen: artista
norte-americana)
Não tens que ir
Não tens que ir. A
terra
se acha demasiado
bem feita.
Aprendes de cor as
palavras
das viagens
e não sabes que, para
partir,
há que se esquecer de
tudo.
Observas trens, e
barcos, e pombas.
Ignoras que correm
e voam pelo mundo
para estar quietos.
É o mundo que anda.
Não é o barco, é o
mar
que se move. Não são
os viajantes que passam,
é o caminho.
Não é a pomba que
voa,
mas apenas o ar.
Não tens que ir. A
terra
se acha demasiado
bem feita.
Referência:
CASAL, Julio J. No te
has de ir. In: __________. Aquí Poesía: publicación bimestral,
Montevideo (UY), vol. 12, p. 48, 1964. Disponível neste endereço. Acesso em: 18 fev.
2025.
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