Regressemos a Whitman para extrair de sua obra seminal, “Folhas de Relva”
(“Leaves of Grass”), o poema “Canção do Universal” (“Song of the Universal”),
incorporado à seção “Aves de Arribação” (“Birds of Passage”), título que sugere
alguma associação com migrações cíclicas de pássaros, movimentos, voos e
mutações.
Mais metaforicamente, percebem-se as conexões com processos evolutivos
cósmicos e culturais, a superação da ciência pela alma, ela que valora, que o bem estima, apreciando o real por meio de ideias e ideais: “Apenas o bom é
universal”.
J.A.R. – H.C.
Walt Whitman
(1819-1892)
Birds of
Passage
Song of the Universal
1.
Come, said the Muse,
Sing me a song no poet yet has chanted,
Sing me the Universal.
In this broad Earth of ours,
Amid the measureless grossness and the slag,
Enclosed and safe within its central heart,
Nestles the seed Perfection.
By every life a share, or more or less,
None born but it is born − conceal’d or unconceal’d, the seed is waiting.
2.
Lo! keen-eyed, towering Science!
As from tall peaks the Modern overlooking,
Successive, absolute fiats issuing.
Yet again, lo! the Soul − above all science;
For it, has History gather’d like a husk around the globe;
For it, the entire star-myriads roll through the sky.
In spiral roads, by long detours,
(As a much-tacking ship upon the sea,)
For it, the partial to the permanent flowing,
For it, the Real to the Ideal tends.
For it, the mystic evolution;
Not the right only justified − what we call evil also justified.
Forth from their masks, no matter what,
From the huge, festering trunk − from craft and guile and tears,
Health to emerge, and joy − joy universal.
Out of the bulk, the morbid and the shallow,
Out of the bad majority − the varied, countless frauds of men and States,
Electric, antiseptic yet − cleaving, suffusing all,
Only the good is universal.
3.
Over the mountain growths, disease and sorrow,
An uncaught bird is ever hovering, hovering,
High in the purer, happier air.
From imperfection’s murkiest cloud,
Darts always forth one ray of perfect light,
One flash of Heaven’s glory.
To fashion’s, custom’s discord,
To the mad Babel-din, the deafening orgies,
Soothing each lull, a strain is heard, just heard,
From some far shore, the final chorus sounding.
4.
O the blest eyes! the happy hearts!
That see − that know the guiding thread so fine,
Along the mighty labyrinth!
5.
And thou, America!
For the Scheme’s culmination − its Thought, and its Reality,
For these, (not for thyself,) Thou hast arrived.
Thou too surroundest all;
Embracing, carrying, welcoming all, Thou too, by pathways
broad and new,
To the Ideal tendest.
The measur’d faiths of other lands − the grandeurs of the past,
Are not for Thee − but grandeurs of Thine own;
Deific faiths and amplitudes, absorbing, comprehending all,
All eligible to all.
All, all for Immortality!
Love, like the light, silently wrapping all!
Nature’s amelioration blessing all!
The blossoms, fruits of ages − orchards divine and certain;
Forms, objects, growths, humanities, to spiritual Images ripening.
6
Give me, O God, to sing that thought!
Give me − give him or her I love, this quenchless faith
In Thy ensemble. Whatever else withheld, withhold not from us,
Belief in plan of Thee enclosed in Time and Space;
Health, peace, salvation universal.
Is it a dream?
Nay, but the lack of it the dream,
And, failing it, life’s lore and wealth a dream,
And all the world a dream.
[June, 1874 Camden]
Aves de Arribação
Canção do Universal
1.
Vem, disse a Musa,
Canta para mim uma
canção que poeta algum tenha cantado até hoje,
Canta-me o Universal.
Nesta nossa terra
vasta,
Em meio à densidade
imensurável e à escória,
Guardada e segura
dentro do coração central,
Aninha-se a semente
da perfeição.
Para cada vida uma
porção, ou mais ou menos,
Ninguém nasce sem que
ela nasça, recôndita ou exposta, a
semente está à
espreita.
2.
Contempla! A elevada
ciência de olhos agudos,
Como se de altos
cumes, vigiando a modernidade,
Emitisse sucessivas
ordens absolutas.
Contudo, mais uma vez
contempla! A alma, acima de toda ciência,
Pois ela traz a História
fundida como uma casca que envolve o globo;
Para ela, todas as
constelações rolam através do espaço.
Em rotas espirais por
entre longos desvios,
(Como um navio que
segue sempre alinhavando as águas do mar),
Por ela o fluxo que
vai de parcial a permanente,
Por ela o real tende
ao ideal.
Por ela a mística
evolução,
Não apenas a
justificação do bem, o que chamamos de mal
também se justifica.
Saindo de trás de
suas máscaras, não importando as consequências,
Do enorme caule que
se inflama, da arte e da malícia e das lágrimas,
Emerge a saúde e a
alegria, a alegria universal.
Saindo do corpo
volumoso, o mórbido e o superficial,
Saindo da maioria
ruim, as diversificadas, incontáveis
fraudes dos homens e dos
Estados,
Elétrico, antisséptico
também, clivando e inundando tudo,
Apenas o bom é
universal.
3.
Sobre a protuberância
das montanhas, doença e tristeza,
Um pássaro livre está
sempre pairando, pairando,
Alto no ar mais puro,
no ar mais feliz.
Das imperfeições das
nuvens mais escuras,
Atira sempre um raio
de perfeita luz,
Um brilho da glória
celeste.
Para o que pertence à
moda, para a discórdia dos figurinos,
Para o doido alarido
de Babel, para as orgias ensurdecedoras,
Ao final de cada
bonança, uma explosão é ouvida, apenas ouvida,
Vindos de alguma
praia longínqua, os sons do coro derradeiro.
Ó os olhos
abençoados, os corações felizes,
Que veem, que
conhecem o finíssimo fio condutor
Através do labirinto.
4.
E tu, América,
Pela culminação do
esquema, pelo pensamento e pela realidade,
Por esses (não por ti
mesma) tu vieste.
Tu também envolveste
todos,
Abraçando e
conduzindo e acolhendo a todos, tu também
caminhas por estradas
largas e novas.
Tendendo ao ideal.
As fés conhecidas de
outras terras, as grandezas do passado,
Não são para ti, pois
são grandezas de ti mesma.
Fés divinas e
amplitudes, absorvendo, compreendendo tudo,
Todas apropriadas a
todas.
Todas, todas pela
imortalidade,
O amor, tal como a
luz, silenciosamente envolve a todos,
Os aperfeiçoamentos
da natureza abençoando a todos,
Os botões, frutos das
eras, pomares divinos e certos;
Formas, objetos,
crescimentos, humanidades, amadurecendo para
as imagens
espirituais.
Concede-me, ó Deus,
que eu cante aquele pensamento,
Dá-me, dá a ele ou a
ela a quem amo essa fé insaciável,
Em Tua imagem, tudo
quanto guardares, não o negue a nós,
A crença nos Teus
planos guardada no Tempo e no Espaço,
Saúde, paz, salvação
universal!
Será um sonho?
Não, mas a ausência
dele é o sonho,
E se ele falha, o
conhecimento e a riqueza da vida são apenas sonho,
E o mundo inteiro é
apenas um sonho.
Birds of
Passage
Song of the Universal
Referências:
WHITMAN, Walt. Birds of passage: song of the universal. In: __________. Leaves of grass. Philadelphia, PA:
David McKay, [c1900]. Available at this address.
WHITMAN, Walt. Aves de arribação:
canção do universal. In: __________. Folhas de relva. Texto integral. Tradução e introdução
de Luciano Alves Meira. 2. ed. São Paulo (SP): Martin Claret, 2012. p. 233-235.
(Série Ouro, Obra-Prima de Cada Autor, n. 42)
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