Para encerrar este ciclo semanal de poesias de Neruda, postamos um poema
no qual o poeta se mostra sentido pela morte de seu cão. Não um cão servil e
incondicionalmente fiel, mas companheiro, feliz em sua má educação, como todos
os cães. E, no caso, incrivelmente independente, como somente os gatos sabem-no
ser.
Esta poesia encerra a mesma interação, diálogo, dialética com a
natureza, que se constata nos poemas mais recentemente postados, do autor
chileno. E aqui, não com o mundo vegetal ou mineral, senão com o elemento mais
instintivo do reino animal. A saber, dos animais domesticados, que há milênios
aprenderam a conviver com os seres humanos e passaram a responder de modo menos
indócil aos seus comandos, a ponto de ficarmos reféns de sua companhia. Afinal,
há animais que parecem mais humanos que os próprios humanos.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda: 1904-1973
(Caricatura)
Un Perro Ha Muerto
Mi perro ha muerto
Lo enterré en el
jardín
junto a una vieja
máquina oxidada.
Allí, no más abajo,
ni más arriba,
se juntará conmigo
alguna vez.
Ahora él ya se fue
con su pelaje,
su mala educación, su
nariz fría.
Y yo, materialista
que no cree
en el celeste cielo
prometido
para ningún humano,
para este perro o para
todo perro
creo en el cielo, sí,
creo en un cielo
donde yo no entraré,
pero él me espera
ondulando su cola de
abanico
para que yo al llegar
tenga amistades.
Ay no diré la
tristeza en la tierra
de no tenerlo más por
compañero,
que para mí jamás fue
un servidor.
Tuvo hacia mí la
amistad de un erizo
que conservaba su
soberanía,
la amistad de una
estrella independienre
sin más intimidad que
la precisa,
sin exageraciones:
no se trepaba sobre
mi vestuario
llenándome de pelos o
de sarna,
no se frotaba contra
mi rodilla
como otros perros
obsesos sexuales.
No, mi perro me
miraba
dándome la atención
que necesito,
la atención necesaria
para hacer comprender
a un vanidoso
que siendo perro él,
con esos ojos, más
puros que los míos,
perdía el tiempo,
pero me miraba
con la mirada que me
reservó
toda su dulce, su
peluda vida,
su silenciosa vida,
cerca de mí, sin
molestarme nunca,
y sin pedirme nada.
Ay cuántas veces
quise tener cola
andando junto a él
por las orillas
del mar, en el
invierno de Isla Negra,
en la gran soledad: arriba el aire
traspasado de pájaros
glaciales,
y mi perro brincando,
hirsuto, lleno
de voltaje marino en
movimiento:
mi perro vagabundo y
olfatorio
enarbolando su cola
dorada
frente a frente al
Océano y su espuma.
Alegre, alegre,
alegre
como los perros saben
ser felices,
sin nada más, con el
absolutismo
de la naturaleza
descarada.
No hay adiós a mi
perro que se ha muerto.
Y no hay ni hubo
mentira entre nosotros.
Ya se fue y lo
enterré, y eso era todo.
Um Cão Morreu
Meu Cão Morreu
Enterrei-o no jardim
junto a uma velha
máquina oxidada.
Ali, não mais
embaixo,
nem mais em cima,
se juntará comigo
alguma vez.
Agora ele já se foi
com sua pelagem,
sua má educação, seu
nariz frio.
E eu, materialista
que não crê
no celeste céu
prometido
para nenhum humano,
para este cão ou para
todo cão
acredito no céu, sim,
creio num céu
onde não entrarei,
mas ele me espera
abanando sua cauda
como um leque
para que eu ao chegar
tenha amizades.
Ai, não direi a
tristeza na terra
por não tê-lo mais
como companheiro,
que para mim jamais
foi um servidor.
Dirigiu-me a amizade
de um ouriço
que conservava sua
soberania,
a amizade de uma
estrela independente
sem mais intimidade
que a necessária,
sem exageros:
não subia sobre as
minhas vestes
enchendo-me de pelos
ou de sarna,
não se esfregava
contra os meus joelhos
como outros cães
obsessivamente sexuais.
Não, meu cão me
olhava
dando-me a atenção de
que necessito,
a atenção necessária
para fazer
compreender a um vaidoso
que sendo ele um cão,
com esses olhos, mais
puros que os meus,
perdia o tempo, porém
me olhava
com o olhar que me
reservou
toda sua doce, sua
peluda vida,
sua vida silenciosa,
perto de mim, sem me
incomodar jamais,
e sem me pedir nada.
Ai, quantas vezes eu
quis ter cauda
andando junto a ele
pelas margens
do mar, no inverno de
Ilha Negra,
na grande solidão:
acima o ar
traspassado de
pássaros glaciais,
e meu cão brincando,
hirsuto, repleto
de voltagem marinha
em movimento:
meu cão vagabundo e
olfatório
levantando sua cauda
dourada
frente a frente ao
Oceano e sua espuma.
Alegre, alegre,
alegre
como os cães sabem
ser felizes,
sem nada mais, com o
absolutismo
da natureza
descarada.
Não há adeus ao meu
que se encontra morto.
E não há nem houve
mentira entre nós.
Já se foi e o
enterrei, e isso foi tudo.
Referência:
NERUDA, Pablo. Un perro há muerto. In:
__________. Late and posthumous poems: 1968-1974. Jardín de invierno (1974). Edited and translated into english by Ben
Belitt. Introduction by Manuel Duran. Bilingual Edition. New York, NY: Grove
Press, 1988. p. 150 and 152.
Nenhum comentário:
Postar um comentário