Coligi algumas passagens da obra em epígrafe, obra que, apesar de ser
intitulada como uma autobiografia, foi, de fato – tal qual se extrai de sua
leitura – escrita por Gertrude Stein, autora norte-americana. A narrativa
transcorre sob a visão de Alice B. Toklas, a também norte-americana e
companheira da autora por 25 anos, circunstância que, dada a estreita relação
entre as duas mulheres, convalida a presumível abordagem que Alice teria
adotado em relação a Gertrude.
No fundo, Gertrude falando de si mesma. Afinal, a suposta “autobiografia”
diz muito mais sobre a própria Gertrude; bem mais sobre a autora do que o seu
pretenso tema.
Na obra, rolam páginas e páginas em que aparecem figuras importantes do
período anterior, durante e após a 1GM – Matisse, Picasso, Hemingway, Cézanne,
Ezra Pound, T. S. Eliot e muitos outros –, com fatos predominantemente ocorridos
em Paris, numa época em que se dizia que a capital da França era “uma festa”.
Uma suma social, artística e intelectual do período, portanto.
Trata-se de livro, estimo, que tende a não agradar a quem tem apreço
pela forma de narração tradicional: há muita repetição, abundância de imagens, excessos
idiossincrásicos nas teses ou modos de ver as coisas, tudo encapsulado num
prodigioso fluxo de consciência.
Se afirmasse que o tipo de escrita que Stein empreende na referida autobiografia
não está entre os de meu deleite, talvez a autora respondesse com a mesma
ironia que permeia grande parte do seu texto, dizendo-me envolto em naftalina.
Vejam esta asserção: “E o Hemingway é isto, parece moderno e cheira a museu”
(STEIN, 2006, p. 225) (rs).
J.A.R. – H.C.
Gertrude Stein
(1874-1946)
“Depois de certo tempo cochichei a
Picasso que gostava de seu retrato de Gertrude Stein. Sim, concordou, todo
mundo diz que ela não é assim, mas não faz a menor diferença, vai terminar
sendo, afirmou” (STEIN, 2006, p. 16).
Gertrude Stein
(Pintura de Pablo
Picasso: 1905-1906)
“[...] Como Picasso já observou, quando
se faz uma coisa, ela é tão complicada de fazer que termina ficando feia, mas
os que a fazem depois não precisam mais se preocupar em fazê-la e podem
deixá-la bonita, e assim todo mundo gosta quando são os outros que fazem” (STEIN,
2006, p. 27).
“Afirma que, se a gente quer se
divertir, é melhor não ter a menor noção de como as coisas são feitas. Deve-se
escolher uma ocupação absorvente e, para aproveitar ao máximo as outras coisas
da vida, contemplar apenas os resultados. Desse modo, é inevitável sentir com
mais intensidade do que os que entendem um pouco sobre como as coisas são
feitas” (STEIN, 2006, p. 81).
“Ela sempre diz que não gosta do que é
anormal por ser tão óbvio. E que o normal é simplesmente bem mais complicado e
interessante do que parece” (p. 88).
“Os americanos, segundo Gertrude Stein,
são que nem os espanhóis, abstratos e cruéis. Não que sejam brutais, mas
cruéis. Ao contrário da maioria dos europeus, não mantêm contato íntimo com a
terra. O materialismo deles não é o materialismo da existência, da posse, é o
materialismo da ação e da abstração. E é por isso que o cubismo é espanhol” (STEIN,
2006, p. 96).
“[...] Todo mundo comenta a tristeza
dos grandes artistas, a trágica infelicidade deles, mas eles, afinal de contas,
são grandes artistas. Já o artista menor tem toda a trágica infelicidade e a
tristeza dos grandes e, ainda por cima, não é grande” (p. 120).
“Faz umas seis semanas que Gertrude
Stein disse: ‘está querendo me parecer que você nunca vai escrever a tal
autobiografia. Sabe o que vou fazer? Vou escrevê-la para você. Vou escrevê-la
com a mesma simplicidade com que Defoe escreveu a autobiografia de Robinson
Crusoé. E ela escreveu, e é isto aqui” (STEIN, 2006, p. 262).
Alice B. Toklas
(1877-1967)
Referência:
STEIN, Gertrude. A autobiografia de Gertrude Stein. Tradução de Milton Persson.
Porto Alegre: L&PM, 2006. (L&PM Pocket, n. 279)
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