Mais uma reflexão sobre a arte e as dificuldades da tradução, com o
tirocínio e a destreza intelectual de Ernesto Sabato, o físico argentino que se
tornou escritor.
De nossa parte, já nos defrontamos com problemas sérios até para
compreender o sentido do original, quanto mais para vertê-lo ao português.
Ademais, quando o poema a traduzir é rimado e metrificado, impõem-se tantas
limitações ao tradutor, que, para lograr êxito na empreitada, ou bem ele é um
grande mestre e também poeta, ou bem transformará o original num arremedo ou
numa caricatura.
Por esse motivo, a maioria das versões próprias que apresentamos neste
blog – e empregamos modestamente o termo “versão”, e não “tradução” –, exibe
versos livres, modo pelo qual se consegue fixar com mais acerto o sentido
literário do texto-fonte no idioma de destino, permitindo, com isso, maior
precisão no texto vertido.
J.A.R. – H.C.
Ernesto Sabato: 1911-2011
(Caricatura)
Acerca de la Imposibilidad de Traducir
No hay traducciones sino una teratológica multitud de inmigrantes, cuyos rostros,
cuyos acentos, mantienen todavía el aire original, pero cuya manera de vestir y
de hablar imita grotescamente la manera del país que los recibió. Tal como ese
Raskólnikov que sabíamos leer hace muchos años en las versiones de Maucci, que
parecía deambular – mejor dicho, discurrir – por la Puerta del Sol, rodeado de
golfillos y señoritingos, murmurando palabras tan increíbles como piscolabis y
tentempié.
Lo que es inevitable, porque la lengua
viva de un pueblo está entrañablemente enlazada a su historia, a sus montañas,
a sus árboles, a su tierra y a su cielo. Y las palabras tienen el color y el
olor de la tierra en que se formaron. Raskólnikov toma té en su patria, pero su
doble español toma un té con olor a chocolate. El lenguaje de la vida,
equívoco, oblicuo e insinuante, está adherido al paisaje como una sonrisa al
rostro que la sostiene. Trasladar un texto literario a otro idioma es empresa
tan melancólicamente ineficaz como la de esos millonarios americanos que
imaginan poder traerse los viejos fantasmas de un castillo escocés
reconstruyendo el castillo en Wisconsin.
Las únicas traducciones rigurosamente
posibles son las de la ciencia, porque sus expresiones son lógicas y sus
palabras unívocas. La proposición “el calor dilata los cuerpos” puede ser trasladada
a cualquier idioma sin que su espíritu pierda un ápice de su sentido.
En cambio, las traducciones literarias
son una temblorosa tentativa de interpretar un mensaje de signos equívocos
mediante otro conjunto de signos equívocos.
Así como una misma nota musical cobra
distinto timbre en diferentes instrumentos, la misma palabra producirá
distintas resonancias al pasar de una lengua a otra. Decimos vaso en francés, y
al pronunciar verre ya está sonando su primera armónica: vidrio y, como
consecuencia, ya nos llegan lejanas resonancias de fragilidad, de
transparencia, de sonoridad. Ninguna de estas armónicas superiores subsiste en
castellano, mientras aparecen otras que confieren diferente timbre a la palabra
traducida. La fidelidad a la nota fundamental habrá implicado así infidelidad a
las resonancias, y a los sutiles estremecimientos que un buen escritor logra
provocar con esas resonancias.
Esas armónicas pueden tener origen en
la etimología, en la historia de un pueblo, en sus clásicos, en la psicología
de sus gentes, en sus leyendas, en sus sangrientas luchas fratricidas: todo
único e intransferible. La palabra ceibo no tiene las mismas sugerencias para
un francés que para nosotros.
Más que nacional, el
lenguaje es en última instancia individual. El formidable y casi desesperanzado
problema del artista es el de trascender su subjetividad mediante sus voces,
sus desesperados murmullos, sus equívocos signos. Y lo increíble es que lo
logra.
Natureza-Morta com Livros
(Christiane Ancel: n.
1936)
Sobre a Impossibilidade de Traduzir
Não há traduções, senão uma teratológica
multidão de imigrantes, cujos rostos, cujos traços, ainda mantêm o ar original,
mas cujos modos de se vestir e de se expressar, todavia, imitam grotescamente os
modos do país que os recebeu. Tal como esse Raskólnikov que, faz muitos anos,
líamos muito bem nas versões de Maucci, que parecia deambular – melhor dizendo,
divagar – pela Porta do Sol, rodeado de matreiros e garbosos, murmurando
palavras tão incríveis como piscolabis
(lanche) e tentempié (idem).
O que é inevitável, porque a língua
viva de um povo está entranhavelmente enlaçada à sua história, a suas
montanhas, a suas árvores, à sua terra e a seu céu. E as palavras têm a cor e o
aroma da terra em que se formaram. Raskólnikov toma chá em sua pátria, porém o
seu duplo espanhol toma chá com aroma de chocolate. A linguagem da vida,
equívoca, oblíqua e insinuante, adere à paisagem como um sorriso no rosto de
quem o mantém. Trasladar um texto literário a outro idioma é tarefa tão
melancolicamente ineficaz quanto a desses milionários americanos que imaginam
poder atrair os velhos fantasmas de um castelo escocês, reconstruindo o castelo
em Wisconsin.
As únicas traduções rigorosamente
possíveis são as da ciência, porque suas expressões são lógicas e suas palavras
unívocas. A proposição “o calor dilata os corpos” pode ser trasladada a
qualquer idioma sem que seu espírito perca um ápice de seu sentido.
As traduções literárias, por sua vez, são
uma vacilante tentativa de interpretar uma mensagem de signos equívocos,
mediante outro conjunto de signos equívocos.
Assim como uma mesma nota musical
adquire distintos timbres em diferentes instrumentos, a mesma palavra produzirá
distintas ressonâncias ao passar de uma língua à outra. Dizemos vaso (copo) em francês, e ao pronunciar
verre já está soando a sua primeira
harmônica: vidrio (vidro) e, como
consequência, já nos chegam distantes ressonâncias de fragilidade, de transparência,
de sonoridade. Nenhuma destas
harmônicas superiores subsiste em castelhano, enquanto outras aparecem, a conferir
diferente timbre à palavra traduzida. A fidelidade à nota fundamental terá
implicado, assim, infidelidade às ressonâncias, bem como aos sutis
estremecimentos que um bom escritor consegue provocar com tais ressonâncias.
Essas harmônicas podem ter origem na
etimologia, na história de um povo, em seus clássicos, na psicologia de suas
gentes, suas lendas, suas sangrentas lutas fratricidas: tudo muito singular e
intransferível. A palavra ceibo
(corticeira) não engendra, tanto quanto para nós, as mesmas sugestões para um
francês.
Mais que nacional, a
linguagem é, em última instância, individual. O vultoso e quase desesperançado
problema do artista é o de transcender sua subjetividade mediante suas vozes,
seus desesperados murmúrios, seus signos equívocos. E o incrível é que consegue.
Referência:
SABATO, Ernesto. Acerca de la
imposibilidad de traducir. In: __________. Heterodoxia.
1953. Disponível neste
endereço. p. 31-32.
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