Enquanto todos estão à cata de grandes emoções nesta quadra de Carnaval,
ficaremos nós em companhia de alguns dos mais significativos poemas de Ricardo
Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, poeta chileno que bem conhecemos pelo pseudônimo
que adotou: Pablo Neruda.
Serão sete poemas em sequência, um a cada dia, a completar uma semana
inteira, de hoje até o próximo sábado. E começamos neste domingo com a sua “Oda
a la Crítica” (“Ode à Crítica”), poema que, originalmente, foi publicado em sua
recolha “Odas Elementales” (“Odes Elementares”), de 1954.
Trata-se de um poema em que Neruda nos revela a sua vocação da escrita voltada
às “pessoas simples”, longe daquela crítica que se prende a apreciar e a
utilizar as letras com interessadas perspectivas políticas ou perscrutando-as
com o objetivo de desvelar quaisquer significados ocultos, declinados em
pedante e intrincado palavreado, pejado de “condenações”.
A “crítica à crítica” de Neruda atinge o grau do desdém: seus versos
passam dos críticos “mudos” aos “cheios de línguas”, dos “cegos” aos “cheios de
olhos”, “elegantes alguns como cravos com sapatos vermelhos” e outros
simplesmente “vestidos de cadáveres”; lançando-se todos sobre os escritos com “dentes
e facas, com dicionários e outras armas negras, com citações respeitáveis”.
Depois de vilipendiarem a sua poesia, escrutinando-a à luz de critérios que Neruda
julga duvidosos, lançam-na ao esquecimento dos “cemitérios” ou dos “sótãos”,
quando então ela regressa aos seus destinatários primeiros: os homens e mulheres do
povo, que, por meio dela, constroem os seus sonhos.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda: 1904-1973
(Caricatura)
Ode a la Crítica
Yo escribí cinco
versos:
uno verde,
otro era un pan
redondo,
el tercero una casa
levantándose,
el cuarto era un
anillo,
el quinto verso era
corto como un relâmpago
y al escribirlo
me dejó en la razón
su quemadura.
Y bien, los hombres,
las mujeres,
vinieron y tomaron
la sencilla matéria,
brizna, viento,
fulgor, barro, madera,
y con tan poca cosa
construyeron
paredes, pisos,
sueños.
En una línea de mi
poesia
secaron ropa al viento.
Comieron
mis palabras,
las guardaron
junto a la cabecera,
vivieron con un
verso,
con la luz que salió
de mi costado.
Entonces,
llegó un crítico mudo
y otro lleno de
lenguas,
y otros, otros
llegaron
ciegos o llenos de
ojos,
elegantes algunos
como claveles con
zapatos rojos,
otros estrictamente
vestidos de
cadáveres,
algunos partidarios
del rey y su elevada
monarquía,
otros se habían
enredado en la frente
de Marx y pataleaban
en su barba,
otros eran ingleses
sencillamente
ingleses,
y entre todos
se lanzaron
con dientes y
cuchillos,
con diccionarios y
otras armas negras,
con citas
respetables,
se lanzaron
a disputar mi pobre
poesía
a las sencillas
gentes
que la amaban:
y la hicieron
embudos,
la enrollaron,
la sujetaron con cien alfileres,
la cubrieron con
polvo de esqueleto,
la llenaron de tinta,
la escupieron con
suave
benignidad de gatos,
la destinaron a
envolver relojes,
la protegieron y la
condenaron,
le arrimaron
petróleo,
le dedicaron húmedos
tratados,
la cocieron con
leche,
le agregaron pequenas
piedrecitas,
fueron borrándole
vocales,
fueron matándole
sílabas y suspiros,
la arrugaron e
hicieron
un pequeño paquete
que destinaron
cuidadosamente
a sus desvanes, a
sus cementerios,
luego
se retiraron uno a
uno
enfurecidos hasta la
locura
porque no fuí bastante
popular para ellos
o impregnados de
dulce menosprecio
por mi ordinaria
falta de tinieblas,
se retiraron
todos
y entonces,
otra vez,
junto a mi poesía
volvieron a vivir
mujeres y hombres,
de nuevo
hicieron fuego,
construyeron casas,
comieron pan,
se repartieron la luz
y en el amor unieron
relámpago y anillo.
Y ahora,
perdonadme, señores,
que interrumpa este
cuento
que les estoy
contando
y me vaya a vivir
para siempre
con la gente
sencilla.
Art Critic
(Norman Rockwell:
1894-1978)
Ode à Crítica
Escrevi cinco versos:
um verde,
outro era um pão
redondo,
o terceiro uma casa levantando,
o quarto era um anel,
o quinto verso era
curto cormo um
relâmpago
e ao escrevê-lo
me deixou na razão na
razão a sua queimadura.
E bem, os homens,
as mulheres,
vieram e tomaram
a simples matéria,
fibra, vento, fulgor,
barro, madeira,
e com tão pouca coisa
construíram
paredes,
apartamentos, sonhos.
Numa linha da minha
poesia
secaram roupa ao
vento.
Comeram
as minhas palavras,
guardaram-nas
junto à cabeceira,
viveram com um verso,
com a luz que saiu do
meu flanco.
Então,
chegou um crítico
mudo
e outro cheio de
línguas,
e outros, outros
chegaram
cegos ou cheios de
olhos,
elegantes alguns
como cravos com
sapatos vermelhos,
outros estritamente
vestidos de
cadáveres,
alguns partidários
do rei e a sua elevada
monarquia,
outros se tinham
embaraçado na testa
de Marx e esperneavam
na sua barba,
outros eram ingleses
simplesmente
ingleses,
e entre todos
se lançaram
com dentes e facas,
com dicionários e
outras armas negras,
com citações
respeitáveis,
se lançaram
para disputar a minha
pobre poesia
às simples gentes
que a amavam:
e lhe fizeram funis,
enrolaram-na,
prenderam-na com cem
alfinetes,
cobriram-na com pó de
esqueleto,
encheram-na de tinta,
cuspiram nela com
suave
benignidade de gatos,
destinaram-na a embrulhar
relógios,
protegeram-na e
condenaram-na,
juntaram-lhe
petróleo,
dedicaram-lhe úmidos
tratados,
cozinharam-na com
leite,
somaram-lhe pequenas
pedrinhas,
foram lhe apagando
vogais,
foram lhe matando
sílabas e suspiros,
amassaram-na e
fizeram
um pequeno pacote
que destinaram
cuidadosamente
aos seus sótãos, aos
seus cemitérios,
logo
se retiraram um a um
enfurecidos até a
loucura
porque não fui
bastante
popular para eles
ou impregnados de
doce menosprezo
pela minha ordinária
falta de trevas,
retiraram-se
todos
e então,
outra vez,
junto à minha poesia
voltaram a viver
mulheres e homens,
de novo
fizeram fogo,
construíram casas,
comeram pão,
repartiram entre si a
luz
e no amor uniram
relâmpago e anel.
E agora,
perdoai-me, senhores,
que interrompa esta
história
que lhes estou
contando
e vá viver
para sempre
com a gente simples.
Referência:
NERUDA, Pablo. Oda a la crítica/Ode à
crítica. In: __________. Antologia
poética. 22. ed. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: José Olympio,
2012. p. 187-191.
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