Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Uma Semana com Neruda – (I) Ode à Crítica

Enquanto todos estão à cata de grandes emoções nesta quadra de Carnaval, ficaremos nós em companhia de alguns dos mais significativos poemas de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, poeta chileno que bem conhecemos pelo pseudônimo que adotou: Pablo Neruda.

Serão sete poemas em sequência, um a cada dia, a completar uma semana inteira, de hoje até o próximo sábado. E começamos neste domingo com a sua “Oda a la Crítica” (“Ode à Crítica”), poema que, originalmente, foi publicado em sua recolha “Odas Elementales” (“Odes Elementares”), de 1954.

Trata-se de um poema em que Neruda nos revela a sua vocação da escrita voltada às “pessoas simples”, longe daquela crítica que se prende a apreciar e a utilizar as letras com interessadas perspectivas políticas ou perscrutando-as com o objetivo de desvelar quaisquer significados ocultos, declinados em pedante e intrincado palavreado, pejado de “condenações”.

A “crítica à crítica” de Neruda atinge o grau do desdém: seus versos passam dos críticos “mudos” aos “cheios de línguas”, dos “cegos” aos “cheios de olhos”, “elegantes alguns como cravos com sapatos vermelhos” e outros simplesmente “vestidos de cadáveres”; lançando-se todos sobre os escritos com “dentes e facas, com dicionários e outras armas negras, com citações respeitáveis”.

Depois de vilipendiarem a sua poesia, escrutinando-a à luz de critérios que Neruda julga duvidosos, lançam-na ao esquecimento dos “cemitérios” ou dos “sótãos”, quando então ela regressa aos seus destinatários primeiros: os homens e mulheres do povo, que, por meio dela, constroem os seus sonhos.

J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda: 1904-1973
(Caricatura)

Ode a la Crítica

Yo escribí cinco versos:
uno verde,
otro era un pan redondo,
el tercero una casa levantándose,
el cuarto era un anillo,
el quinto verso era
corto como un relâmpago
y al escribirlo
me dejó en la razón su quemadura.

Y bien, los hombres,
las mujeres,
vinieron y tomaron
la sencilla matéria,
brizna, viento, fulgor, barro, madera,
y con tan poca cosa
construyeron
paredes, pisos, sueños.
En una línea de mi poesia
secaron ropa al viento.
Comieron
mis palabras,
las guardaron
junto a la cabecera,
vivieron con un verso,
con la luz que salió de mi costado.
Entonces,
llegó un crítico mudo
y otro lleno de lenguas,
y otros, otros llegaron
ciegos o llenos de ojos,
elegantes algunos
como claveles con zapatos rojos,
otros estrictamente
vestidos de cadáveres,
algunos partidarios
del rey y su elevada monarquía,
otros se habían
enredado en la frente
de Marx y pataleaban en su barba,
otros eran ingleses
sencillamente ingleses,
y entre todos
se lanzaron
con dientes y cuchillos,
con diccionarios y otras armas negras,
con citas respetables,
se lanzaron
a disputar mi pobre poesía
a las sencillas gentes
que la amaban:
y la hicieron embudos,
la enrollaron,
la sujetaron con cien alfileres,
la cubrieron con polvo de esqueleto,
la llenaron de tinta,
la escupieron con suave
benignidad de gatos,
la destinaron a envolver relojes,
la protegieron y la condenaron,
le arrimaron petróleo,
le dedicaron húmedos tratados,
la cocieron con leche,
le agregaron pequenas piedrecitas,
fueron borrándole vocales,
fueron matándole
sílabas y suspiros,
la arrugaron e hicieron
un pequeño paquete
que destinaron cuidadosamente
a sus desvanes, a sus cementerios,
luego
se retiraron uno a uno
enfurecidos hasta la locura
porque no fuí bastante
popular para ellos
o impregnados de dulce menosprecio
por mi ordinaria falta de tinieblas,
se retiraron
todos
y entonces,
otra vez,
junto a mi poesía
volvieron a vivir
mujeres y hombres,
de nuevo
hicieron fuego,
construyeron casas,
comieron pan,
se repartieron la luz
y en el amor unieron
relámpago y anillo.
Y ahora,
perdonadme, señores,
que interrumpa este cuento
que les estoy contando
y me vaya a vivir
para siempre
con la gente sencilla.

Art Critic
(Norman Rockwell: 1894-1978)

Ode à Crítica

Escrevi cinco versos:
um verde,
outro era um pão redondo,
o terceiro uma casa levantando,
o quarto era um anel,
o quinto verso era
curto cormo um relâmpago
e ao escrevê-lo
me deixou na razão na razão a sua queimadura.

E bem, os homens,
as mulheres,
vieram e tomaram
a simples matéria,
fibra, vento, fulgor, barro, madeira,
e com tão pouca coisa
construíram
paredes, apartamentos, sonhos.
Numa linha da minha poesia
secaram roupa ao vento.
Comeram
as minhas palavras,
guardaram-nas
junto à cabeceira,
viveram com um verso,
com a luz que saiu do meu flanco.
Então,
chegou um crítico mudo
e outro cheio de línguas,
e outros, outros chegaram
cegos ou cheios de olhos,
elegantes alguns
como cravos com sapatos vermelhos,
outros estritamente
vestidos de cadáveres,
alguns partidários
do rei e a sua elevada monarquia,
outros se tinham
embaraçado na testa
de Marx e esperneavam na sua barba,
outros eram ingleses
simplesmente ingleses,
e entre todos
se lançaram
com dentes e facas,
com dicionários e outras armas negras,
com citações respeitáveis,
se lançaram
para disputar a minha pobre poesia
às simples gentes
que a amavam:
e lhe fizeram funis,
enrolaram-na,
prenderam-na com cem alfinetes,
cobriram-na com pó de esqueleto,
encheram-na de tinta,
cuspiram nela com suave
benignidade de gatos,
destinaram-na a embrulhar relógios,
protegeram-na e condenaram-na,
juntaram-lhe petróleo,
dedicaram-lhe úmidos tratados,
cozinharam-na com leite,
somaram-lhe pequenas pedrinhas,
foram lhe apagando vogais,
foram lhe matando
sílabas e suspiros,
amassaram-na e fizeram
um pequeno pacote
que destinaram cuidadosamente
aos seus sótãos, aos seus cemitérios,
logo
se retiraram um a um
enfurecidos até a loucura
porque não fui bastante
popular para eles
ou impregnados de doce menosprezo
pela minha ordinária falta de trevas,
retiraram-se
todos
e então,
outra vez,
junto à minha poesia
voltaram a viver
mulheres e homens,
de novo
fizeram fogo,
construíram casas,
comeram pão,
repartiram entre si a luz
e no amor uniram
relâmpago e anel.
E agora,
perdoai-me, senhores,
que interrompa esta história
que lhes estou contando
e vá viver
para sempre
com a gente simples.

Referência:

NERUDA, Pablo. Oda a la crítica/Ode à crítica. In: __________. Antologia poética. 22. ed. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. p. 187-191.

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