Temos aqui mais um poema de Neruda, desta feita saturado de alusões ao
mundo rural, onde a natureza se traduz em fertilidade e abundância de seus
itens primários: mel, fermento, queijo, leite, vinho, geleia.
Ali, ele encontra identidade com a selva à volta, incorporando os brotos
do renascer, o “transcurso de ser a ser”, as “germinações silenciosas”, até que
venha a se tornar “mineral”, quando deixará de experimentar as vibrações
sensoriais do nascer, crescer, ver e escutar. Um poema que recorre à mais autêntica
sinestesia.
Leia-o, internauta. E perceba como Neruda recorre às sensações de todos
os sentidos: paladar (queijo, vinagre, mel), olfato (aroma do esterco das
vacas), tato (densas umidades), audição (som do tambor) e visão (multidões de
asas azuis). O poema, desse modo, pulsa como o ciclo ininterrupto da vida.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda: 1904-1973
(Caricatura)
IV. El Cazador de Raices
Lo Que Nace Conmigo
Canto a la hierba que
nace conmigo
en este instante libre,
a los fermentos
del queso, del
vinagre, a la secreta
floración del primer
semen, canto
al canto de la leche
que ahora cae
de blancura en
blancura a los pezones,
canto a los
crecimientos del establo,
al fresco estiéircol
de las grandes vacas
de cuyo aroma vuelan
muchedumbres
de alas azules, hablo
sin transición de lo
que ahora sucede
al abejorro con su
miel, al líquen
con sus germinaciones
silenciosas;
como un tambor eterno
suenan las
sucesiones, el transcurso
de ser a ser, y
nazco, nazco, nazco
con lo que está
naciendo, estoy unido
al crecimiento, al
sordo alrededor
de cuanto me rodea,
pululando,
propagándose en
densas humedades,
en estambres, en
tigres, en jaleas.
Yo pertenezco a la fecundidad
y creceré mientras
crecen las vidas:
soy joven con la juventud
del agua,
soy lento con la
lentitud del tiempo,
soy puro con la
pureza del aire,
escuro con el vino de
la noche
y sólo estaré inmóvil
cuando sea
tan mineral que no
vea ni escuche,
ni participe en lo
que nace y crece.
Cuando escogí la
selva
para aprender a ser,
hoja por hoja,
extendí mis lecciones
y aprendí a ser raíz,
barro profundo,
tierra callada, noche
cristalina,
y poco a poco más,
toda la selva.
Cycle of Nature
(Ceri G. Richards:
pintor britânico)
IV. O Caçador de Raízes
O Que Nasce Comigo
Canto a grama que
nasce comigo
neste instante livre,
os fermentos
do queijo, do
vinagre, a secreta
floração do primeiro
sêmen, canto
o canto do leite que
agora cai
de brancura em
brancura aos mamilos,
canto os crescimentos
do estábulo,
o fresco esterco das
grandes vacas
de cujo aroma voam
multidões
de asas azuis, falo
sem transição do que
agora acontece
com a abelha-da-terra
e o seu mel, com o líquen
e as suas germinações
silenciosas;
como um tambor eterno
soam as sucessões, o
transcurso
de ser a ser, e
nasço, nasço, nasço
com o que está nascendo,
estou unido
ao crescimento, ao
surdo contorno
de tudo que me rodeia,
pululando,
propagando em densas
umidades,
em estames, em tigres,
em geleias.
Eu pertenço à
fecundidade
e crescerei enquanto
crescem as vidas:
sou jovem com a
juventude da água,
sou lento com a lentidão
do tempo,
sou puro com a pureza
do ar,
escuro com o vinho da
noite
e só estarei imóvel
quando seja
tão mineral que não
veja nem escute,
nem participe do que
nasce e cresce.
Quando escolhi a
selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas
lições
e aprendi a ser raiz,
barro profundo,
terra calada, noite
cristalina,
e pouco a pouco mais,
toda a selva.
Referência:
NERUDA, Pablo. Lo que nace conmigo/O
que nasce comigo. In: __________. Antologia
poética. 22. ed. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: José Olympio,
2012. p. 271-273.
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