Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Uma Semana com Neruda – (V) O Que Nasce Comigo

Temos aqui mais um poema de Neruda, desta feita saturado de alusões ao mundo rural, onde a natureza se traduz em fertilidade e abundância de seus itens primários: mel, fermento, queijo, leite, vinho, geleia.

Ali, ele encontra identidade com a selva à volta, incorporando os brotos do renascer, o “transcurso de ser a ser”, as “germinações silenciosas”, até que venha a se tornar “mineral”, quando deixará de experimentar as vibrações sensoriais do nascer, crescer, ver e escutar. Um poema que recorre à mais autêntica sinestesia.

Leia-o, internauta. E perceba como Neruda recorre às sensações de todos os sentidos: paladar (queijo, vinagre, mel), olfato (aroma do esterco das vacas), tato (densas umidades), audição (som do tambor) e visão (multidões de asas azuis). O poema, desse modo, pulsa como o ciclo ininterrupto da vida.

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda: 1904-1973
(Caricatura)

IV. El Cazador de Raices

Lo Que Nace Conmigo

Canto a la hierba que nace conmigo
en este instante libre, a los fermentos
del queso, del vinagre, a la secreta
floración del primer semen, canto
al canto de la leche que ahora cae
de blancura en blancura a los pezones,
canto a los crecimientos del establo,
al fresco estiéircol de las grandes vacas
de cuyo aroma vuelan muchedumbres
de alas azules, hablo
sin transición de lo que ahora sucede
al abejorro con su miel, al líquen
con sus germinaciones silenciosas;
como un tambor eterno
suenan las sucesiones, el transcurso
de ser a ser, y nazco, nazco, nazco
con lo que está naciendo, estoy unido
al crecimiento, al sordo alrededor
de cuanto me rodea, pululando,
propagándose en densas humedades,
en estambres, en tigres, en jaleas.

Yo pertenezco a la fecundidad
y creceré mientras crecen las vidas:
soy joven con la juventud del agua,
soy lento con la lentitud del tiempo,
soy puro con la pureza del aire,
escuro con el vino de la noche
y sólo estaré inmóvil cuando sea
tan mineral que no vea ni escuche,
ni participe en lo que nace y crece.

Cuando escogí la selva
para aprender a ser,
hoja por hoja,
extendí mis lecciones
y aprendí a ser raíz, barro profundo,
tierra callada, noche cristalina,
y poco a poco más, toda la selva.

Cycle of Nature
(Ceri G. Richards: pintor britânico)

IV. O Caçador de Raízes

O Que Nasce Comigo

Canto a grama que nasce comigo
neste instante livre, os fermentos
do queijo, do vinagre, a secreta
floração do primeiro sêmen, canto
o canto do leite que agora cai
de brancura em brancura aos mamilos,
canto os crescimentos do estábulo,
o fresco esterco das grandes vacas
de cujo aroma voam multidões
de asas azuis, falo
sem transição do que agora acontece
com a abelha-da-terra e o seu mel, com o líquen
e as suas germinações silenciosas;
como um tambor eterno
soam as sucessões, o transcurso
de ser a ser, e nasço, nasço, nasço
com o que está nascendo, estou unido
ao crescimento, ao surdo contorno
de tudo que me rodeia, pululando,
propagando em densas umidades,
em estames, em tigres, em geleias.

Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.

Referência:

NERUDA, Pablo. Lo que nace conmigo/O que nasce comigo. In: __________. Antologia poética. 22. ed. Tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. p. 271-273.

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