Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Gabriel Celaya - A poesia é uma arma carregada de futuro

Eis um exemplar da denominada “poesia social” do poeta espanhol Gabriel Celaya – “La Poesía Es un Arma Cargada de Futuro”, com tradução ao português pelo lusitano José Bento –, que veio a lume em 1955, inserida que estava na obra “Cantos Íberos”.

Há no poema muita atualidade, com matizes que vão da denúncia de uma realidade opressiva e sem esperanças a um chamamento por compromisso e engajamento. Uma poesia sobre o real e não sobre o ideal, sobre a responsabilidade que decorre da liberdade que se assume, sobre a busca de superação do conflito por meio de ações fraternas, sobre os modos de se comportar eticamente perante os fatos da vida.

Di-lo-á sobre mais o quê o próprio internauta, depois de apreciá-la!

J.A.R. – H.C.

Gabriel Celaya: 1911-1991
(Caricatura)

La Poesía Es un Arma Cargada de Futuro

Cuando ya nada se espera personalmente exaltante,
mas se palpita y se sigue más acá de la conciencia,
fieramente existiendo, ciegamente afirmado,
como un pulso que golpea las tinieblas,

cuando se miran de frente
los vertiginosos ojos claros de la muerte,
se dicen las verdades:
las bárbaras, terribles, amorosas crueldades.

Se dicen los poemas
que ensanchan los pulmones de cuantos, asfixiados,
piden ser, piden ritmo,
piden ley para aquello que sienten excesivo.

Con la velocidad del instinto,
con el rayo del prodigio,
como mágica evidencia, lo real se nos convierte
en lo idéntico a sí mismo.

Poesía para el pobre, poesía necesaria
como el pan de cada día,
como el aire que exigimos trece veces por minuto,
para ser y en tanto somos dar un sí que glorifica.

Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejan
decir que somos quien somos,
nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno.
Estamos tocando el fondo.

Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural por los neutrales
que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse.

Hago mías las faltas. Siento en mí a cuantos sufren
y canto respirando.
Canto, y canto, y cantando más allá de mis penas
personales, me ensancho.

Quisiera daros vida, provocar nuevos actos,
y calculo por eso con técnica qué puedo.
Me siento un ingeniero del verso y un obrero
que trabaja con otros a España en sus aceros.

Tal es mi poesía: poesía-herramienta
a la vez que latido de lo unánime y ciego.
Tal es, arma cargada de futuro expansivo
con que te apunto al pecho.

No es una poesía gota a gota pensada.
No es un bello producto. No es un fruto perfecto.
Es algo como el aire que todos respiramos
y es el canto que espacia cuanto dentro llevamos.

Son palabras que todos repetimos sintiendo
como nuestras, y vuelan. Son más que lo mentado.
Son lo más necesario: lo que no tiene nombre.
Son gritos en el cielo, y en la tierra son actos.

Lavadeiras em Sevilha
(Charles Frederic Ulrich: 1858-1908)

A Poesia É uma Arma Carregada de Futuro

Quando já nada se espera de pessoalmente exaltante,
mas se palpita e se continua para cá da consciência,
ferozmente existindo, cegamente afirmando,
como um pulso que lateja nas trevas,

quando se olham de frente
os claros olhos vertiginosos da morte,
dizem-se as verdades:
as bárbaras, terríveis, amorosas crueldades.

Dizem-se os poemas
que dilatam os pulmões de quantos, asfixiados,
pedem ser, pedem ritmo,
pedem lei para o que sentem excessivo.

Com a velocidade do instinto,
com o raio do prodígio,
como mágica evidência, converte-se o real
no idêntico a si mesmo.

Poesia para o pobre, poesia necessária
como o pão de cada dia,
como o ar que exigimos treze vezes por minuto,
para ser e enquanto somos dizer um sim que glorifica.

Porque vivemos de vez em quando, porque mal nos deixam
dizer que somos quem somos,
nossos cantos não podem sem pecado ser um ornamento.
Estamos a tocar o fundo.

Maldigo a poesia concebida como um luxo
cultural pelos neutrais
que lavando as mãos, se desinteressam e evadem.
Maldigo a poesia de quem não toma partido até manchar-se.

Faço minhas as faltas. Sinto em mim quantos sofrem
e canto ao respirar.
Canto, canto, e a cantar para além de minhas mágoas
pessoais, fico maior.

Quisera dar-vos vida, provocar novos actos,
e calculo por isso com técnica, que venço.
Sinto-me um engenheiro do verso e um operário
que com outros trabalha Espanha nos seus aços.

Assim é a minha poesia: poesia-ferramenta
e ao mesmo tempo pulsação do unânime e cego.
Assim é, arma carregada de futuro expansivo
com que aponto ao peito.

Não é uma poesia gota a gota pensada.
Nem um belo produto. Nem um fruto perfeito.
É algo como o ar que todos respiramos
e é o canto que difunde o que dentro levamos.

São palavras que todos repetimos sentindo
como nossas, e voam. São mais que o que elas dizem.
São o mais necessário: o que não possui um nome.
São gritos no céu, e, na terra, são actos. 

Récita do poema pelo intérprete
Joan Manuel Serrat

Referências:

Em Espanhol

CELAYA, Gabriel. La poesía es un arma cargada de futuro. In: __________. Gabriel Celaya para niños. Edición preparada por María Asunción Mateo e ilustrada con dibujos del autor. 2. ed. Madrid, ES: Ediciones de la Torre, marzo.2001. p. 65-66. (Alba y Mayo)

Em Português

CELAYA, Gabriel. A poesia é uma arma carregada de futuro. Tradução de Jose Bento. In: BENTO, José (Seleccão e Tradução). Antologia da poesia espanhola contemporânea. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 1985. p. 379-380.

6 comentários:

  1. Excetente. Pena não dar o crédito do tradutor
    José Carlos

    ResponderExcluir
  2. Prezado José Carlos,
    O crédito da tradução se encontra no comentário inicial que fiz à postagem, em 6.2.2015, segundo o qual a tradução em apreço pertenceria ao poeta e tradutor português José Bento.
    Um abraço.
    João A. Rodrigues

    ResponderExcluir
  3. Com lapso: falta 'gritos' no verso último...

    ResponderExcluir
  4. De fato, Albino, a palavra 'gritos' estava faltando na versão ao português. Valeu pela nota. Agora está consertado. Muito obrigado. Um abraço. João A. Rodrigues

    ResponderExcluir
  5. Navegando na internet procurando por Celaya encontrei seu blog. Vivi na Espanha por 2 anos e conheci a poesia desse grande poeta basco e universal. Traduzi um pequeno trecho do poema "Los Niños Miran de Frente" que segue:
    “Quando falo do futuro
    Não ventilo utopias
    Só penso no menino
    Me mirando de frente
    Sem medo, sorridente
    Procurando pelo seu amanhã
    Escavando os meus olhos”
    Gabriel Celaya

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito agradeço pelo seu comentário, Adriano: de fato, entre os vários poetas espanhóis contemporâneos, ele é um dos que mais sobressaem e um dos que mais aprecio, pela sua poesia positiva e compromissada. Grato também pelo excerto traduzido.
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

      Excluir